DJ, produtora e criadora de inúmeros projetos, Mari Rossi fala sobre os 20 anos de carreira

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Por em 30 de julho, 2021 - 30/07/2021

O talento da paulistana Mari Rossi como DJ vem sendo apresentado desde 1999 e a fez viajar pelo mundo, realizando turnês por países como Inglaterra, Austrália e Canadá, tocando em grandes festivais, como o saudoso Skol Beats, e tantos outros palcos importantes do circuito eletrônico. Graças ao seu ouvido musical afiado e uma seleção musical sempre diversa — mas com raízes na house, no funk e na soul —, a DJ tornou-se um nome muito requisitado e embalou multidões ao longo de todos esses anos de carreira.

Influenciada por nomes que vão de Stevie Wonder, Michael Jackson, Bob Marley e Madonna a DJ Marky, Goldie, Jayda G, Mr. Scruff e Gilles Peterson, Mari retomou a carreira como produtora musical em 2018, tendo lançado por selos como SP Recordings e Tratore. Agora, apresentando um novo remix para “Daquilo”, de Jairo Pereira, ao lado do duo From House To Disco (na verdade, um remix do remix que ela já havia feito em dezembro de 2020), ela celebra um momento criativo importante da carreira e nos banha com uma onda de calor musical. 

O single, assinado pela Diversall Music de Ella De Vuono, chegou no dia 16 de julho e, ao longo desses dias, tivemos tempo de ter uma conversa super bacana com Mari para saber um pouco de tudo sobre sua vida e carreira.

Quem é a DJ Mari Rossi e qual a sua história? Como você acabou parando no universo das pistas de dança e da música eletrônica?

Mari Rossi: Sou uma mulher de 40 anos, feminista, mãe, esposa e apaixonada pelas mil possibilidades de ser o que a música me proporciona. Parece que quanto mais coisas que eu faço relacionado a isso, mais me sinto perto da minha essência.

Comecei com meus 17, 18 anos, gastando todo meu salário em discos, pois ainda morava com a minha mãe, então podia fazer isso. Fui ficando conhecida entre os amigos pela coleção que fui criando, sempre com as novidades que chegavam na Galeria 24 de Maio, no centro de São Paulo.

Daí comecei a ser chamada para tocar os discos nas festinhas de amigos, que passou para amigos dos amigos, e quando percebi, estava tocando em festas que não conhecia ninguém. Foi nesse momento que meus colegas profissionais me deram o toque que eu precisava começar a cobrar por isso. E isso foi maravilhoso, pois virou uma chave dentro de mim — até então, eu nem imaginava que poderia ser DJ.

A música eletrônica foi uma escolha inevitável, pois nasci na zona leste de São Paulo, em uma época em que as melhores discotecas da cidade estavam nessa região. Vinha gente de todos os bairros curtir a Toco, Over Night, Contramão. E eu, como frequentadora, fui muito influenciada, claro.

Sabemos que você está na ativa desde 1999. Como foi sua trajetória de lá pra cá como DJ e produtora? Como foi a sua evolução sonora?

Quando eu comecei a tocar já haviam muitos DJs em atividade, mas exatamente no momento em que me profissionalizei houve um grande boom da cena por todo o Brasil e isso foi sensacional. Por ser uma das primeiras nessa onda de popularização do eletrônico e ainda mulher (haviam pouquíssimas), tive a oportunidade de viajar muito pelo Brasil e pelo mundo.

Cheguei a lugares onde nunca imaginei, como tocar em Londres, Austrália, Canadá, Skol Beats, Mercado Mundo Mix, casamento estrelado, festa de 15 anos no interior do Pará, fora os clubes todos — mais de 200, outro dia tava fazendo essa conta. Eu realmente circulei por muitas vias e isso foi rico demais. Nunca fui nichada como DJ disso ou daquilo, apesar de ter uma sonoridade definida. Uma vez um contratante me disse: “Mari, é muito louco, quando vou te bookar eu não sei o que você vai tocar, mas ao mesmo tempo eu sei”. 

Acho que é por aí mesmo. As pessoas sabem o que esperar de mim.

Exatamente… Sabemos que você é eclética em suas apresentações, indo de sons mellow, como soul e acid jazz a house e drum’n’bass. Como você descreveria essa sua sonoridade, tanto como DJ quanto como produtora?

A minha evolução sonora segue o meu coração. Toco aquilo que está me movendo naquele momento. Já foi drum’n’bass, já foi nu jazz e broken beats, hoje é o house. Apesar dos diferentes estilos, tenho um fio condutor que é o funk, soul. Tudo que eu toco tem sempre um perfume soulful e uma alma dos anos 70. Já na produção, eu me esforço pra trazer uma identidade brasileira para o eletrônico.

Sua carreira na produção musical é bem mais recente, não é mesmo? Como ela começou? O que almeja como produtora daqui em diante?

É, mais ou menos. Eu cheguei a lançar algumas coisas na época do MySpace, mas quando essa plataforma acabou, essas músicas meio que acabaram também, e eu achei bom porque elas já não me representavam mais. Voltei a produzir em 2018 e de lá pra cá não parei mais.

O que mais quero é conseguir lançar algumas músicas em vinil. Por estarmos no Brasil, se torna um investimento bem alto, e nem sempre com um retorno garantido devido a mil fatores, como o prazo que as fábricas estão dando para a manufatura até a distribuição…

Estudar produção para aprender o ofício foi um caminho natural ou uma imposição do mercado — já que, atualmente, é a maneira pela qual os DJs se destacam? Os tempos mudaram muito para os DJs de 1999 pra cá? Pra melhor?

Eu resisti por um muito tempo a essa pressão do mercado para produzir e até hoje não consigo fazer da maneira como seria a “correta”, com cronograma e organização. Primeiro porque a minha vida é bem dinâmica devido a todos os outros projetos que eu administro, e porque as minhas músicas sempre envolvem outros artistas e eu preciso respeitar o tempo deles também. Pra mim isso é primordial. O que me conquistou na arte de produzir foi a possibilidade de ver pessoas curtindo um som, ideias que vieram de mim.

Com certeza hoje está muito melhor, pois o acesso à tecnologia e aos programas estão cada vez mais intuitivos, facilitando a entrada de mais e mais pessoas nesse seara da produção.

Vimos que você lançou uma collab com o multiartista Jairo Pereira, “Danza”, e depois fez um remix no final de 2020 para “Daquilo”. Como nasceu essa parceria? Podemos esperar novas colaborações?

Eu fui a um show do Jairo e me encantei justamente com essas mil facetas que ele tem, porém sempre permeadas pela poesia falada. Temos uma grande amiga em comum, Aimê Uehara. Pedi pra ela fazer a ponte, e a partir daí começamos a nos falar. Também dirigi um clipe dele, da música “Ame”, juntamente com o meu marido, Danilo Mantovani, e a Aimê.
Com toda certeza ainda faremos muito trabalhos juntos. Ele me consultou há pouco para um projeto autoral, e logo menos eu devo mandar outra base para termos novas ideias.

E como surgiu esse novo remix, com uma pegada completamente diferente, feito com o FHTD e lançado pela Diversall Music?

Logo que lancei o meu remix em 2020, as meninas do From House To Disco me falaram que tinham interesse em fazer um remix delas, e eu disse que os elementos da música estava às ordens. Na época eu achei legal, mas não botei muita fé, achei que só estavam elogiando porque somos bem amigas. Depois de uns meses, elas me procuraram pedindo as partes da música e eu pensei: que demais, elas querem mesmo fazer! 

Elas já tinham me dito que a intenção seria lançá-lo pela Diversall, e fiquei muito feliz, pois admiro muito o trabalho que a Ella de Vuono está desenvolvendo. A minha participação nesse novo remix foi pequena — eu apenas enviei os elementos do que eu tinha feito, e as meninas arrasaram.

Quais os maiores obstáculos e períodos mais difíceis que você encarou?

Inicialmente, ser mulher foi um grande obstáculo. Pelo fato de não haver muitas, ou por preconceito mesmo, poucos confiavam que eu pudesse fazer um bom trabalho. Eu me sentia o tempo todo sendo testada e era cansativo. Depois veio a popularização da profissão, que acabou trazendo uma gente para o mercado pela vaidade em estar numa posição de destaque em uma festa, por exemplo.

E essas pessoas cobravam qualquer cachê ou até não cobravam, deixando bem difícil a situação de quem realmente vive disso, como é o meu caso. Mas o maior desafio pessoal mesmo foi a maternidade. No início me senti muito sozinha. Até hoje, pessoas que andavam muito comigo, iam nas minhas festas, deixaram de falar comigo, me procurar.

Os contratantes demoraram para voltar também. Eu realmente não sei o que passa na cabeça das pessoas em relação à maternidade, porque passei a ser bastante anulada depois de me tornar mãe. Levei quase dois anos para reverter esse ciclo e mostrar que meu gosto musical continuava afiado e que eu tava muito afim de tocar e dar o meu melhor. 

Você já deve ter passado por muitas situações inusitadas nesses mais de 20 anos. Tem alguma história divertida ou peculiar pra nos contar?

Tive algumas. Passei por várias situações de casamento, algumas engraçadas, outras constrangedoras, como a da noiva que subia no palco e pedia para o noivo vir dançar com ela e nada do noivo aparecer — estava sentado numa mesa com uma garrafa de whisky, bravo com o rumo da festa, do casamento, sei lá —, a do noivo que deu PT na segunda música do set, e por aí vai…

Também passei por uma situação em um festival chamado Coca Cola Vibezone. Era pra eu tocar antes do Charlie Brown Jr., eles entraram pra passar o som e deixar tudo certo para a apresentação deles, e assim que acabaram, saíram do palco e eu entrei. Os fãs ficaram putos por ter que esperar uma hora pelo show e começaram jogar garrafas de água em mim. Parecia aquela cena do Carlinhos Brown no Rock in Rio. Até que alguém da produção entrou no palco e me tirou de lá. Daí veio o Champignon, baixista da banda, me pedir desculpas. Pegou o microfone e passou um sermão na galera sobre respeito. No fim, eles fizeram o público esperar uma hora (a hora que eu estaria tocando) sem som nenhum.

Você toca diversos projetos ao mesmo tempo, envolvendo música, yoga, cinema: tem o Elektra, Yoga Live, WeSounds, Friends Casa… Como você organiza sua rotina pra dar conta de tudo isso? Existe algum que seja o principal na sua vida?

Quando li a pergunta, até me assustei — realmente, é muita coisa! Mas fico feliz de, na verdade, conseguir colocar em prática aquilo que já foi apenas uma ideia na minha cabeça um dia. Primeiro que, obviamente, não dá pra dar o mesmo peso e atenção para todos, então vou equilibrando os pratos e às vezes colo em stand by algum que não esteja rolando muito no momento, e boto muita energia no que está rolando mais.

O Elektra foi um projeto que tive junto com a violinista Fernanda Kostchak. Não existe mais, mas de vez em quando ainda liga algum ex-contratante nos pedindo, daí fazemos. O Yoga Live é um dos que estão parados no momento, por conta da pandemia, pois é uma prática de yoga presencial com música ao vivo; eu solto as bases e um músico ou uma musicista improvisa em cima dos meus beats. É uma experiência linda! Todo mundo fala que a música feita ali na hora leva a prática para um lugar muito mais prazeroso do que fazer apenas o exercício.

O WeSounds é o meu projeto de music branding desde 2012. Logo mais fazendo dez aninhos. Está firme e forte, apesar da pandemia. Faço trilhas de lojas, restaurantes e hotéis, além de dar aula de sound branding no Istituto Europeo di Design, no curso de Visual Merchandising, divisão de marketing sensorial.

O Friends Casa também está parado porque é uma festa voltada à cultura house raiz, com forte presença de dançarinos profissionais que se entregam aos nossos beats de corpo e alma. É a pista mais linda do mundo! Todos dançam lindamente como se não houvesse amanhã. É o projeto que mais me dá saudades no momento. Toco ele há dois anos junto com o DJ Artur Viegas. 

E faltou falar do DMMR, que é o meu carro chefe atualmente. DMMR significa Danilo Mantovani e Mari Rossi. Danilo é o meu marido, um super fotógrafo. Juntos, formamos uma dupla criativa de audiovisual. Produzimos clipes, conteúdos para marcas e, do ano passado para cá, muitas lives.

E como tem sido sua rotina na pandemia? Como a crise te afetou?

A minha rotina tem sido não ter rotina. Infelizmente, da maneira mais dura possível, tivemos que aprender a viver um dia de cada vez. Ainda mais para quem tem filha, como é o meu caso. A crise me afetou financeiramente, claro, mas bastante emocionalmente também no ano passado.

Neste ano, quando tudo fechou de novo, eu já estava mais preparada para encarar o isolamento e menos ansiosa por não saber o que virá. Mas acredito que finalmente estamos vendo uma luz no fim do túnel. Fui vacinada há pouco e fico feliz em ver que esse processo de vacinação da população está engrenando, apesar de ter demorado muito para começar.

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