Final de semana de sol, anos 80, entre a Rua Augusta e Avenida Paulista vem circulando uma kombi em alto e bom som, tocando músicas, falando de espiritualidade, LSD, vegetarianismo. Alguns paravam e dançavam, grupos conversavam sobre os assuntos trazidos por aquela estranha “nave de ideias”, outros apenas continuavam andando, mas já estavam acostumados com a chamada rádio Ondas Tropicais.
Essa era a rádio ambulante da saudosa Sônia Abreu, considerada a primeira DJ mulher do Brasil, que apesar de não ligar para o título, perambulava pelas ruas de São Paulo, com músicas e ideias totalmente inovadoras para a época.
A rádio começou num Fusca, virou uma kombi, depois um trio elétrico e, por último, um barco que passou 27 dias navegando pelo litoral paulista.
Sonia Abreu foi uma figura emblemática para a cultura musical do nosso país. Filha única de pais separados — um médico boêmio e uma dona de casa rigorosa — ela foi apaixonada por música desde criança, influenciando muitas pessoas com o seu talento antes de nos deixar em 2019.
Sua trajetória começou cedo, aos 13 anos tocava nas festas de amigos, aos 16 anos começou a trabalhar profissionalmente como DJ na primeira loja de Som e Festas do Brasil: a Áudio – A Lógica do Som. Entre 1968 e 1978 trabalhou na rádio Excelsior, da Rede Globo, como produtora musical onde lançou a coletânea “A Máquina do Som”, chegando a vender milhares de unidades. Nessa mesma época foi diretora musical da Som Livre, em São Paulo.
Apesar de estar fazendo o que gostava, Sonia se sentia cansada da rotina na Rede Globo e resolveu montar sua própria rádio, nascendo então a Ondas Tropicais. A ideia para criar a rádio veio após um dia inusitado, como conta Sonia em uma entrevista para a GRVE em 2019, um pouco antes de nos deixar:
“Um dia estava passeando de carro pelo Morumbi e vi um disco voador no Céu em plena luz do dia. Eu estava meio recolhida naquele momento, pois havia pedido demissão na rede Globo porque não aguentava mais seguir listão de músicas, então andava pensando muito no que inventar com a música e naquele dia o Disco Voador me contou tudo o que eu tinha que fazer: A rádio Ambulante, e eu fiz e foi um sucesso total”.
A frequência da rádio eram os espaços públicos de São Paulo, onde parava sua Kombi com um sistema de som robusto. Era comum ver diversas pessoas em volta da Kombi para ouvir um case musical repleto de novidades, inclusive com algumas produções da própria DJ. Sonia chegou a ganhar um Globo de Ouro pela música “Automatic Lover”, de D.D.Jackson, a primeira música eletrônica do Brasil.
Com o sucesso, a rádio ambulantes virou programa nas rádios tradicionais, um deles — Ondas Tropicais – A Música do Quarto Mundo — foi responsável pela popularização da World Music. Esse programa influenciou Sonia a criar sua própria banda do gênero, que contava com 22 integrantes
Foram diversos os feitos de Sonia Abreu, ela lançou inúmeras canções, divulgou vários artistas e antecipou tendências em seus 50 anos de carreira. Os detalhes dessa brilhante carreira foram contados em sua biografia, escritas pelos jornalistas Alexandre Melo e Claudia Assef, lançada em 2019. O nome da sua biografia não poderia ser outro, que não fosse o nome de sua querida rádio, Ondas Tropicais.
Recentemente Sonia foi homenageada pela prefeitura de São Paulo, que inaugurou a Galeria do DJ Sonia Abreu, o espaço foi idealizado pelo Secretário de Cultura da Cidade de São Paulo Alê Youssef, e pela coordenadora do Centro Cultural Olido, Claudia Assef, e conta com peças de Sonia Abreu, além de outros itens. O projeto teve ajuda de mais de 100 DJs de São Paulo.
Sonia Abreu foi pioneira e inovadora, seja como radialista, produtora, cantora ou programadora musical, nos deixou esse grande trabalho que foi o Ondas Tropicais, e com isso ela sempre fará parte da história musical do nosso país.