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Como o Circoloco desafiou e mudou a história de Ibiza

Muito antes de suas icônicas camisetas com o palhaço se espalharem pelos continentes e de se tornar um nome global sinônimo de excelência na música eletrônica, o Circoloco emergiu não como mais uma festa em Ibiza, mas como um movimento desafiador, nascido da insatisfação e da busca por autenticidade. Sua história é um tecido de acasos, resiliência e uma filosofia inabalável que transcendeu os limites de um clube.

A semente do Circoloco foi plantada em 1999 no DC10, que em 1989 começou como um bar musical com licença para apenas 80 pessoas, transformado de uma antiga fazenda em terreno alugado pelos irmãos Antonio “Sito” Lara e Deogracias Lara Moreno, perto do aeroporto de Ibiza. A localização é crucial e ligada à identidade do clube: colado à pista de aterrissagem, o DC10 permitia que os festeiros vissem aviões planando muito próximos enquanto celebravam ao ar livre no terraço. O clube tinha uma avioneta real na fachada e seu nome veio do avião transatlântico DC-10, com estética relacionada ao conceito de voo.

O que torna o início do Circoloco singular é sua abordagem despojada. Quando Ibiza começava a ceder ao luxo e à opulência, o Circoloco, idealizado pelos promotores italianos Antonio Carbonaro e Andrea Pelino, surgiu como um “after-hours” sem patrocinadores, ostentação ou áreas VIP. Era um evento gratuito nas manhãs de segunda-feira, após as maratonas de festas de domingo, preenchendo a lacuna deixada pelo Space.

Imagine a cena: em vez dos elaborados cenários de superclubes, o Circoloco no DC10 apresentava uma estrutura quase que DIY. Apenas caixas de papelão para sentar, o balcão do DJ sobre caixotes, colchões espalhados. Muitos se confundiam ao ver o espaço pela primeira vez. Essa simplicidade radical contrastava com a cultura VIP que emergia na ilha, promovendo uma sensação de igualdade.

A política musical do Circoloco focava em artistas underground desconhecidos, muitos de Ibiza, que não eram estrelas internacionais. A liberdade criativa dada a esses DJs, que compreendiam a missão de manter a autenticidade, a profundidade e fazer as pessoas dançarem até o pôr do sol, foi essencial. A vibração era tão contagiante que DJs renomados vinham para festejar como qualquer um, e alguns se ofereciam para tocar de graça.

Dentre os pioneiros, destacam-se:

• Tania Vulcano: Primeira DJ com nome no flyer do Circoloco e residente original. Misturava house, minimal e grooves hipnóticos em sets maratonas.

• Cirillo: DJ romano com sensibilidade dentro do techno “gritty”, dominava a pista principal com sets crus e sem concessões, definindo o lado mais sombrio do som Circoloco.

• José de Divina: Com background em deep house, adicionava um groove soulful, mantendo a energia desde a manhã até a tarde.

Essa “dinâmica de grupo e sinergia” fez do Circoloco um lar para muitos. Seth Troxler, por exemplo, credita ao Circoloco o impulso em sua carreira, lembrando que os promotores o convidaram para ser residente e logo foi eleito o DJ número 1 do ano pela Resident Advisor. Ele busca nunca repetir músicas e descreve a experiência em uma entrevista como uma “família que é como um time de futebol”.

A ascensão do Circoloco teve provações. Enquanto Ibiza se gentrificava e proliferavam áreas VIP, o Circoloco manteve seu espírito, muitas vezes desafiando as restrições de licenciamento. Em 2002, o governo local iniciou repressão a outdoors ilegais e os poucos do Circoloco viraram alvo.

O maior desafio veio em 2008, com o fechamento completo do DC10. Alegava-se que o local tinha licença para apenas 65 pessoas, mas as segundas recebiam 1.500. Tony e Andrea pagaram uma multa de €300.000 do próprio bolso. O fechamento durou cerca de um ano, mas a comunidade se manteve conectada e, em 2010, o DC10 reabriu com novos talentos e rapidamente recuperou seu status.

Essa resiliência cimentou a filosofia “No Soul for Sale”. O lema não era só uma declaração, mas uma bússola que guiava suas ações e os diferenciava da crescente comercialização da ilha.

A “história criativa” do Circoloco evoluiu de festa a “movimento” e “estilo de vida”. Sua influência ultrapassou a música, atraindo figuras da arte e moda. Maurizio Cattelan, o estúdio Toilet Paper e marcas como Off White, Riccardo Tisci e Virgil Abloh foram atraídos por sua essência, levando a colaborações que expandiram seu “footprint criativo”.

@off____white

Off-White c/o Virgil Abloh™ celebrates Ibiza’s legendary Circoloco Ibiza night with a new collaboration made up of two t-shirts and a vest featuring the iconic Off-White™ arrows and Circoloco clown logo. Skinny macho, Benji B, Rampa Keinemusik and Desiree wear the collab while on the decks at the iconic DC10 party earlier this week ~ The collaboration is now exclusively available online at off—white.com, circoloco.com, Farfetch and from the Off-White™ Ibiza store.

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A pandemia de COVID-19, que cancelou mais de 40 eventos globais do Circoloco, poderia ter sido o fim. No entanto, foi um momento de reinvenção. Tony Carbonaro lançou a Circoloco Records. O passo mais inesperado foi a parceria com a Rockstar Games, criadora do GTA. A colaboração foi natural: Sam Houser, cofundador da Rockstar, compartilhava com Tony a paixão pela música. O resultado foi a fusão de dois mundos, com faixas da Circoloco Records tocando nos clubes e estações do GTA, levando a cultura da dança global aos videogames.

Hoje, o Circoloco continua sendo curador de excelência musical. Apesar dos milhares de pessoas que o visitam regularmente, mantém uma vibração íntima. Antonio Carbonaro ainda seleciona a programação, e ele e Andrea Pelino continuam os últimos a fechar o DC10, mantendo viva a essência de comunidade, inclusão e unidade que define esse “circo louco” desde 1999.

It’s all about groove