Criado em 2012 por Damian Lazarus, no último dia do calendário maia, o festival Day Zero surgiu como resposta a uma pergunta muito simples e humana: o que fazemos diante de um fim anunciado? Lazarus escolheu transformar a data, então carregada de misticismo, num ato de recomeço — e, desde então, o Day Zero funciona como um “ritual” onde música, natureza e história são tratadas como uma só coisa.
Agora chegando pela primeira vez ao Brasil no próximo dia 03 de janeiro, logo após o réveillon, em São Miguel dos Milagres (AL), o evento representa a tentativa de transplantar um ecossistema cultural — nascido em Tulum, local rodeado por selvas, ruínas maias e uma ideia de comunidade — para um território brasileiro que tem suas próprias características. E esse é um ponto importante: entender o Day Zero não como um evento itinerante qualquer, mas como um formato que exige contexto e ambiente certo.
Para essa estreia brasileira, a curadoria segue o padrão que tornou o Day Zero reconhecido: uma combinação de nomes consolidados e artistas que hoje ajudam a moldar o som do futuro. O line-up reúne Black Coffee, ANNA, Damian Lazarus, Honey Dijon, Dennis Cruz, Traumer, Mochakk, Maz & Antdot, Deer Jade b2b Bhaskar, Malive b2b Unfazed, Meera, Omri, Vintage Culture e WhoMadeWho (Hybrid DJ Set). É uma programação que equilibra e mantém a coerência estética entre dia e noite — algo central para a identidade do evento.
O ethos e a busca por significado
Lazarus costuma dizer que o Day Zero não surgiu para ser um festival anual. Ele queria marcar um momento: reunir pessoas de diferentes partes do mundo para atravessar a madrugada — e emergir, com o sol, com uma sensação de recomeço. O que ele não esperava é que aquela combinação de música eletrônica, selva, espiritualidade, narrativa visual e uma noção de comunidade criasse algo tão potente que seria impossível deixar morrer ali.
O “reset” virou o centro da filosofia do evento: voltar ao essencial, realinhar, celebrar. Quem já esteve em uma edição em Tulum descreve que o Day Zero opera em sua própria frequência. Não é apenas sobre entregar um lineup repleto de headliners ou uma cenografia caprichada, é sobre o estado de presença que se cria — e isso explica por que Lazarus fala do festival com um enorme orgulho afetivo. É, segundo ele, “uma das coisas mais especiais que já fiz”.
Em Tulum, o encontro entre selva, oceano e ruínas maias cria um tipo de narrativa que nenhum palco consegue reproduzir de forma artificial. E Damian sempre soube disso. Diferente de outros grandes festivais, o Day Zero não constrói palcos gigantes repletos de tecnologia, ele ajuda a revelar cenários, realça o que está ali, ao redor, e se apoia em elementos que pertencem ao próprio lugar.
O ápice dessa dramaturgia é a cerimônia do nascer do sol — um momento que se tornou a assinatura do evento. Efeitos visuais, fumaças coloridas, figuras mitológicas e performances contam pequenas histórias, como se a própria madrugada fosse um enredo. Diferentes tribos surgem separadas ao longo da noite e se reúnem ao amanhecer para um tipo de coro final, uma experiência que toca diretamente no subconsciente de quem está vivendo isso na pista.
O peso da estreia no Brasil
Trazer o Day Zero para Milagres é uma escolha que pode ser tão arriscada quanto assertiva. Milagres não é apenas “mais uma praia bonita”. É um ponto do litoral brasileiro conhecido pelo silêncio, pelas distâncias preservadas, pelo ritmo lento — tudo que um festival como o Day Zero precisa para funcionar. Para dar certo, a edição brasileira não pode parecer uma filial de Tulum. Ela precisa encontrar sua própria alma, seu próprio diálogo com a proposta da festa.
E aqui entra um desafio: como traduzir a noção de ancestralidade presente em Tulum para um contexto brasileiro, com outra história, outra cultura e outra relação com natureza e espiritualidade? Se o evento conseguir escutar o entorno — comunidades, tradições, dinâmicas locais — existe a chance de se criar algo realmente autêntico, e não apenas uma “imitação” do que acontece no México.
Além de todo esse conceito, é preciso destacar a responsabilidade do festival com o meio ambiente. Desde cedo, Lazarus deixou claro que o Day Zero só existe porque existe compromisso. Geradores com biocombustível, eliminação de plástico, reciclagem de pontas de cigarro, compensação de carbono, parceria com coletivos locais. O objetivo é simples: o festival não pode deixar rastros.
Portanto, se a edição brasileira respeitar o espírito original com sua geografia, música, narrativa, comunidade e cuidado, mantendo suas próprias características, o resultado pode ser bastante especial já neste evento de estreia.
Para acompanhar tudo, siga o Instagram do Day Zero Milagres.
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