por Sofia Moretti
No último sábado, o Linkin Park subiu ao palco da final da UEFA Champions League, em Munique, diante de uma audiência global que ultrapassou centenas de milhões de espectadores. A performance, mais um capítulo importante nesta nova fase da banda, foi muito mais do que entretenimento entre duas metades de um jogo de futebol: foi uma afirmação de relevância cultural e poder de reinvenção. Em meio ao frenesi esportivo, o grupo norte-americano entregou um show que mesclou passado e presente, reafirmando seu espaço como referência na interseção entre música, emoção e presença de palco.
O retorno da banda já vinha sendo desenhado com cuidado nos últimos meses. A turnê mundial “From Zero” e o novo álbum homônimo, lançado no fim de 2024, abriram caminho para um reencontro com o público — inclusive no Brasil, onde a banda fez uma série de shows com recepção entusiástica e já tem retorno confirmado para este ano. O momento atual, no entanto, é mais do que um recomeço: é uma reconstrução consciente de uma identidade artística abalada pela perda de Chester Bennington, mas nunca paralisada por ela.

A entrada de Emily Armstrong nos vocais marca uma escolha sensível e estratégica. Sem tentar substituir Chester, Armstrong traz uma nova perspectiva à sonoridade da banda, mantendo a carga emocional intacta, mas com novos contornos. A música continua intensa, híbrida, afetiva. O disco “From Zero” — cujo nome remete tanto à origem da banda (Xero) quanto à ideia de começar de novo — deixa claro que essa não é uma tentativa de reviver o que foi, e sim de reinterpretar o que ainda pode ser.

Do ponto de vista criativo, o Linkin Park mostra que não é preciso negar o passado para avançar. Ao contrário: é possível construir a partir dele, atualizando a linguagem, experimentando novas vozes e mantendo o fio condutor da identidade. Em tempos em que muitos retornos se perdem entre o apego à nostalgia e a falta de direção estética, a banda faz o movimento oposto: não volta apenas para agradar antigos fãs, mas para propor algo que se sustente no presente.
Nesse ponto, o diálogo com a cena eletrônica se estabelece com clareza. A música eletrônica, que também carrega legados profundos — de raves históricas, labels influentes, movimentos estéticos e políticos — enfrenta hoje o mesmo dilema entre reinvenção e repetição. E muitas vezes hesita. O que o Linkin Park ensina é que há maneiras inteligentes de atravessar esse território: atualizando sem apagar, honrando o que veio antes sem se prender a ele. Numa cena em que ciclos de hype e consumo são cada vez mais rápidos, observar um projeto que opera com longo prazo, respeito ao seu passado e planejamento de impacto pode ser valioso para artistas, selos e coletivos que buscam continuidade real.

No campo dos negócios, o show na final da Champions League é logicamente um acerto. Não apenas por sua visibilidade estratégica, mas pela maneira como reposiciona o grupo no radar da cultura pop. O Linkin Park, que já havia sido um dos maiores fenômenos do início dos anos 2000, se recolocou agora como um nome ativo, pertinente e capaz de ocupar os grandes palcos do século XXI. O gesto também oferece uma pista para a cena eletrônica: há espaço para pensar cultura de pista como cultura de espetáculo, sem que isso signifique ceder ao esvaziamento comercial. Há formas de ocupar grandes palcos com densidade artística — desde que se saiba o que se quer comunicar.
Em tempos de carreiras descartáveis e ciclos cada vez mais curtos, o Linkin Park ensina algo que parece simples, mas é profundo: a cultura não precisa ser apenas recomeçada — ela pode ser continuada. Com respeito, com escuta, com inteligência. A banda mostra que o legado não precisa ser um monumento estático ao passado, mas uma ferramenta viva de diálogo com o presente e o futuro. E esse ensinamento, talvez mais do que qualquer outro, é urgente para todos que desejam construir relevância sustentável — seja no rock, no techno ou em qualquer som que desafie o tempo.
It’s all about groove