Dixon no Surreal Park: Dêem um título de mestre!

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Por em 23 de dezembro, 2024 - 23/12/2024

Vídeos por Alexandre Colleti

Na cena eletrônica, existem bons DJs, grandes DJs e os mestres! Essa terceira classe é formada por poucos nomes, eles são venerados por onde passam em todo mundo, com bases de fãs que se estendem e se renovam por muitos anos. Esse perfil, exclusivo, não surge do dia para noite, não é momentâneo, eles se auto constroem ao longo do tempo a base de consistência, talento acima da média e muito amor à arte da discotecagem.

Laurent Garnier, Sasha, John Digweed, Hernan Cattaneo, Dubfire, Sven Vath, Danny Howells, Richie Hawtin, Frankie Knucles, e outros passaram a ser chamados de mestres pela própria cena, pelas pessoas que os assistem, ano após ano, fazendo mágica em cada pista ganha. Ser um mestre vai muito além do que passar músicas ou ter boas faixas, eles são capazes de algo que transcende, algo que conecta artista e público de forma umbilical, os liberando de qualquer preocupação externa e se entregando de mente e alma para a música. 

Essa introdução pode ser também a descrição do último set do Dixon na pista Nomad do Surreal. Que set! O artista alemão é o típico ‘’nome certo’’, que você sai de casa sabendo que vai viver algo de excelência, e assim o fez até o amanhecer da mística pista do clube.

Cheguei no clube por volta da 01h, Enrico & Carmo se apresentavam com muita personalidade. O jovem duo tem se destacado em 2024 e fizeram a pista dançar sem timidez. Não acredito que foi um warm-up, porém o som estava com uma estética que combinava com a noite. 

Próximo das 03h, surge Dixon com sua camisa rosa florescente que eu não consegui descobrir se era de goleiro ou de motocross, mas bem ao estilo dele: diferente. 

Estamos falando de um prodígio produtor que ganhou notoriedade a partir de 2012 através de lindas tracks de um novo melodic house que surgia do deep house, Dixon criou tendencia do estúdio para as pistas liderando a Innervisions e sendo eleito o melhor DJ do mundo por 4 anos seguidos no Resident Advisor. 

Título que eu claramente contestava naquela época, onde era mais por sua superioridade como produtor do que por shows lendários. O que aconteceu nos últimos 6, 7 anos no entando, foi algo que ninguém esperava. Dixon renegou a ascensão do melodic house (que ele mesmo ajudou a criar) ao mainstream, com caches impagáveis na cena de clubes e escolheu ir na direção oposta! Loucura? Não, amor pela cena conceitual, pelo som de pista escura. 

Dixon parou de ser lembrado como produtor de faixas icônicas como ‘’No Distance’’ (com Gerber) e passou a ser pouco a pouco mencionado por sets difíceis de esquecer. Sua vinda ao Surreal na pista Bells em 2023 havia sido avassaladora, com um set de 3 horas intenso e realmente underground. Agora, na Nomad, ele pode fazer o que sabe melhor, passear por diferentes humores sonoros dentro de sua estética musical um tanto esquisita, digamos. Dixon foi mudando sua linha de som ao longo dos anos para elementos complexos, vocais robóticos, baterias quebradas, poucas melodias e muita atmosfera caótica. 

Ele poderia ter jogado fora anos e público conquistados por suas músicas, mas seu talento como DJ aflorou de tal forma que é inegável que hoje, muito mais do que quando recebeu aqueles prémios, pode ser considerado o melhor DJ do mundo na atualidade. Claro que isso é algo particular, eu mesmo acho que ele ainda tem o que evoluir, mas também não posso exigir dele construções dos DJs dos anos 90. Entretanto, desde Laurent Garnier, eu não via um DJ capaz de agradar ravers e clubbers tanto do progressivo, quando do techno. Só Garnier tem esse título, claro que o Sven Vath e o Digweed também possuem essa pegada e quem gosta de techno, tende a gostar também do som do Digweed e quem gosta de progressivo, também ama a profundidade sonora do Sven. Dixon caminha nesse sentido e seu set de 3 horas (esse é um problema ainda) é prova disso. 

Na Nomad, ele pode abrir pastas de sons com mais melodia, lembrando os velhos tempos, para logo em seguida trazer sua acidez e vibe caótica para enlouquecer a todos. Transições espetaculares, encaixes perfeitos de sons que não poderiam se conectar, se não fosse por ele, sua capacidade de ler pontos de encontros onde não há, unindo mundos, produtores e labels que nunca se conversaram. 

Esse é Dixon, um mestre na arte de conduzir pistas e um alívio para todo o peso que os old guys tem ainda de não verem novos super DJs os substituindo em quantidade suficiente. 

Um defeito? Não ter gana por longsets, isso é parte fundamental da cena clubber e como se constrói sets ‘’for the books’’’. Não sei se é uma questão de agencias ou contratação, mas, um artista do nível dele precisa querer tocar pelo menos quatro horas e vez ou outra sets de 6, 7, 8 horas a um público sedento por absorver mais de toda sua riqueza musical como um grande seletor de sons que ninguém conhece. 

A 15, 20 anos atrás, a geração de lendas anterior a dele, na idade que ele tem hoje, fazia sets de 10 horas com frequência, os DJs de progressive house e techno sempre tocavam muitas horas. 

Dixon, apesar de hoje deter um título de mestre das pistas, se quiser finalmente subir na mesma prateleira dos maiores que já surgiram, precisa entregar mais horas de som. Para, assim, seu público apaixonado sair extasiado, não querendo mais nada por dias, ao invés daquela sensação de ‘’foi tão rápido e tão incrível, poderia ser mais’’. 

Sua construção sonora ainda tem alguns picos de ondas, porém notei uma melhora na questão trabalhar bem a primeira hora, com mais cadencia, criando uma vibe e colocando a pista na mão, para depois apresentar as melhores e mais fortes tracks. 

O dia amanheceu sem que percebêssemos muito, todos estavam envolvidos em sua música e quando deu 6 horas, a pista estava no seu melhor momento! Que pena parar, ainda que os aplausos sinceros foram efusivos, a sensação do ‘’mais’’ permeou a mente de todos. Por mais Dixon, a cena precisa e agradece. 

It’s all about groove

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