Por em 3 de julho, 2024 - 03/07/2024

Funk e Tech House: dois estilos com origem em culturas distintas, mas que se conectam através de uma raíz comum e que se tornam esclarecedoras quando mergulhamos a fundo na história da música eletrônica. Entendemos música eletrônica como música produzida através de recursos eletrônicos — não acústicos ou orgânicos — ou seja, criada por meio de baterias eletrônicas, sintetizadores, sampleadores, sequenciadores e demais ferramentas que possam vir a simular, criar e substituir sons gerados por instrumentos tradicionalmente executados por uma banda. Então a partir desse ponto de vista, se torna mais simples entender que Funk é e sempre foi música eletrônica, certo? 

DJ Zullu, um dos mais importantes e respeitados nomes do funk 

Se, de um lado, temos um gênero que nasce do underground britânico, misturando o Techno com o House e adotando o groove como pilar de sua estética, do outro, temos um gênero de origem periférica que nasce nas comunidades cariocas, absorvendo as referências do Miami Bass e do Electro — comparado também a esses estilos justamente por ser criado por e para os jovens marginalizados —, adaptado às realidades culturais e sociais do nosso país, evoluindo posteriormente através de diferentes referências regionais e hoje considerado um patrimônio musical cultural brasileiro.

(Legenda: Funk Brasil Vol. I é a primeira compilação oficial de Funk brasileiro assinada pelo pioneiro DJ Marlboro, em 1989)

Um casamento que vem se desenvolvendo substancialmente nas pistas de dança, não só do Brasil como também do mundo, e que também vem arrastando polêmica por onde passa. A fusão entre o Funk nacional e o Tech House é mais do que uma simples mistura de ritmos; é um encontro de culturas musicais que têm muito a dizer sobre a evolução da música urbana. O bassline marcante do Tech House com as batidas do Funk, ou as linhas vocais de Funk com as batidas do Techy, resultam em uma combinação frenética e dançante que reflete a identificação do público e desperta curiosidade nas pistas de dança.

Tech Funk, Funk Rave, Electro Funk, Desande, Bass Funk House… são diversos os termos que celebram essa união musical que vem ganhando os holofotes da música eletrônica contemporânea, sobretudo nesta década de 2020. De Volkoder com ‘Plano Infalível‘, uma das faixas pioneiras a iniciar essa combinação ainda em 2018, a Vintage Culture, KVSH, Mochakk, e Illusionize, que elevaram a mistura para os patamares das grandes pistas através de seus DJ sets e produções autorais em colaboração com MCs e produtores do estilo, a mescla vem evoluindo sob diversas camadas que transcendem as fronteiras musicais, ressoando tanto nos clubes brasileiros quanto nos grandes festivais internacionais.

Nas pistas do underground, as nuances do Funk estão se tornando protagonistas nos sets de Tech House – e também de outros estilos como Hard Techno, Techno, House e muito mais. Se há alguns anos projetos como Whighle, Flakkë e LOthief apostaram que a mistura dominaria as pistas, hoje as estrelas da nova geração, como Classmatic, Beltran, Gabss, J Cult, Abbud, Jho Roscioli e Lucas Bahr, confirmam o sucesso da fusão nos catálogos de prestígio do cenário mundial, como Nervous, CUFF, Hot Creations e Dirtybird, difundindo a tendência global que está dando uma cara nova ao Tech House brasileiro. Para além de artistas nacionais, a tendência já se tornou frequente em sets de medalhões do estilo, como Claude VonStroke, Amine Edge, Jamie Jones, Solardo, Seth Troxler e centenas de outros artistas ao redor do mundo.

No entanto, apesar do sucesso evidente, a parceria entre Funk e Tech House ainda enfrenta resistência de parte do público. Alguns puristas torcem o nariz para a fusão, alegando que dilui a autenticidade de ambos os gêneros ou que compromete suas raízes culturais. Esse preconceito revela um embate entre tradição e inovação na música urbana e, sobretudo, a rejeição à música de origem periférica por parte de alguns ouvintes. 

O Tech House, ao longo de sua evolução, assim como diversos gêneros da Dance Music, tornou-se reflexo da ‘elitização’ da música eletrônica, mesmo tendo suas origens na cultura underground. Enquanto isso, o Funk representa as realidades socialmente periféricas que resistem através das décadas, com um discurso que desafia o padrão elitista.

Portanto, há um choque cultural aqui que perturba as estruturas conservadoras de uma parcela de ouvintes que talvez se esqueça de que a própria Dance Music, em sua origem, também causou esse tipo de desconforto aos ouvidos ortodoxos da época.

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Mas é importante lembrar que a música é um organismo vivo, em constante evolução. A parceria entre Funk e Tech house não é apenas uma tendência passageira, mas sim um reflexo da diversidade e da adaptação que caracteriza a cena musical contemporânea. Ela desafia as normas estabelecidas, convida à experimentação e celebra a riqueza cultural das comunidades urbanas, projetando a cultura musical brasileira para o cenário eletrônico mundial. 

Por fim, a colaboração entre o Funk nacional e o Tech House não se trata apenas de criar hits de pista de dança, mas de abrir novos horizontes para a criatividade musical. Isso demonstra mais uma vez que, ao invés de limitar-se a um único estilo ou som, a verdadeira inovação surge quando diferentes influências se encontram e se fundem. Portanto, enquanto alguns resistem, outros celebram essa parceria como um passo audacioso em direção ao futuro da música eletrônica e urbana.

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