Por em 18 de julho, 2024 - 18/07/2024

Quem se lembra da figura do Disc Jockey lá na década de 70 embalando os inesquecíveis bailes fervorosos das discotecas? Bom, quem viveu a época lembra bem que o DJ ficava num cantinho da pista de dança, muitas vezes escondido, dedicado exclusivamente a uma missão: fazer as pessoas dançarem. Não havia culto do DJ como celebridade, não havia redes sociais, nem fogos de artifício, festivais de música eletrônica ou todo o mercado complexo que hoje existe em torno da figura do DJ. Lá, ele precisava apenas ter o domínio de sua seleção e claro, ser um bom amante de música. 

Com o passar dos anos, a tecnologia veio avançando junto com a velocidade da informação, a indústria musical transformou-se “da água para o vinho”, as conexões se ampliaram e com tudo isso, a profissão de DJ também passou por uma intensa e profunda revolução. De simples “disc jockeys” a verdadeiros artistas, muitos como Tiesto, David Guetta, Calvin Harris, Carl Cox, Peggy Gou, entre outros, alcançaram status de celebridades e superestrelas. Holofotes, equipes dedicadas, jato particular, patrocínio de marcas, personal stylist, investimentos e mais investimentos em plataformas sociais, tudo isso para manter uma carreira “sustentável”. Mas e a música? A seleção, a pesquisa, a técnica de mixagem? Bom, infelizmente isso não é mais o suficiente e muitas vezes fica em segundo plano. Este comportamento de mercado aponta para uma tendência generalizada que abrange tanto as camadas do mainstream como do próprio underground: DJs estão precisando ser cada vez mais do que apenas DJs.   

Quando analisamos o mercado do mainstream, talvez esse apontamento fique mais visível a partir dos exemplos citados acima. Porém, o cenário underground não fica livre de refletir a mesma tendência de comportamento, mesmo que de forma mais tácita. Hoje, não basta saber construir uma ótima narrativa de pista, ter uma pesquisa musical diferenciada ou dominar a técnica em nível de excelência. Tendo em vista a crescente expansão da cultura dos DJs e o aumento expressivo de profissionais da área, é natural que o mercado passe a ter dificuldades de absorver a todos da mesma maneira, então quando isso acontece, a tendência é que o nível de seleção também se eleve a outro patamar. 

Produzir as próprias músicas, ser curador de um programa de rádio, possuir residência em grandes clubes e festas de prestígio, ter uma gravadora, comandar uma label party construindo seu próprio espaço para expandir, produzir conteúdo frequente para as redes sociais, dominar os mecanismos de divulgação, investir em assessoria de imprensa, ampliar cada vez mais a rede de network… a pressão para não apenas executar mixagens perfeitas, mas influenciar tendências, é uma realidade incontornável diante de um cenário onde é cobrado o papel “multitask” de um DJ. Porém, até que ponto essas novas necessidades da profissão caracterizam-se como um fator sustentável de evolução? Quando isso passa a ser tóxico tanto para o cenário geral como também para o próprio artista?

A pressão para se tornar um “super DJ” traz dois pontos interessantes a serem analisados. Ao passo que as constantes exigências frenéticas do mercado podem resultar em práticas prejudiciais, como o descuido com a saúde mental e a dependência de substâncias, além de contribuir para uma competitividade desenfreada que afasta a colaboração e a diversidade que historicamente caracterizaram a cena; é crucial reconhecer que ao exigir que DJs sejam mais do que apenas bons seletores e mixadores musicais, estamos moldando não apenas o futuro da indústria da música eletrônica, mas também seu impacto cultural e social. A diversificação de habilidades pode fortalecer a cena, trazendo novas vozes e perspectivas que enriquecem o panorama musical global. DJs que também são produtores e promotores não apenas impulsionam a engrenagem do mercado, mas também promovem uma maior diversidade artística e um senso de comunidade mais robusto.

Um exemplo disso é a dualidade da questão do DJ como promotor de eventos diante da necessidade de criação de um espaço para sua própria expansão, e não apenas por um desejo de ter uma festa própria. Ao mesmo tempo em que a soma dessas funções possibilita ao artista um maior controle sobre seu próprio trabalho com oportunidades de criar experiências e moldar o ambiente musical de acordo com sua visão artística, além de ampliar sua captação de receitas como fonte de renda diante de um mercado competitivo, isso também pode incorrer no surgimento de conflito de interesses e fragmentação da comunidade. A necessidade de garantir o sucesso financeiro de seus eventos pode influenciar suas escolhas musicais e comprometer sua independência artística, podendo levar à promoção de artistas que são comercialmente viáveis em detrimento de talentos emergentes ou de nicho. À medida que mais DJs se tornam promotores de eventos, pode ocorrer uma fragmentação na comunidade. A competição por público e espaço pode substituir a colaboração e a solidariedade que historicamente caracterizaram a cena eletrônica. Isso pode levar a uma dinâmica menos coesa e menos apoio mútuo entre os artistas. 

No entanto, é essencial encontrar um equilíbrio. A pressão para abraçar múltiplas facetas da carreira pode sobrecarregar artistas, levando a uma produção artística superficial e à perda de autenticidade. Muitos DJs enfrentam dificuldades para equilibrar a pressão por produção constante de novos conteúdos e o cuidado com sua própria saúde física e mental. A necessidade de estar constantemente visível nas redes sociais e nos circuitos de eventos pode contribuir para uma cultura de comparação constante e auto-estima fragilizada. A verdadeira arte de ser DJ reside na capacidade de conectar-se profundamente com o público através da música, algo que pode ser obscurecido pela necessidade de assumir múltiplos papéis.

Portanto, enquanto discutimos se o DJ deve ser mais do que apenas DJ, devemos buscar um caminho que celebre a diversidade de talentos sem comprometer a integridade artística. É possível reimaginar o papel do DJ como um líder cultural multifacetado sem perder de vista o cerne da sua missão: fazer as pessoas dançarem, sonharem e se conectarem através da música. Neste sentido, cabe a todos os agentes envolvidos no cenário guiarem essa evolução de forma responsável e consciente. Ao fazê-lo, podemos assegurar que a cena eletrônica continue a prosperar como um espaço de criatividade, inclusão e inovação, onde a música e a arte são celebradas em todas as suas formas e expressões.

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