Wehbba: do techno à poesia; uma conversa sobre música, literatura, sua nova label HIFN e mais

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Por em 25 de junho, 2024 - 25/06/2024

Mesmo após uma carreira já consolidada, tornando-se uma referência global inquestionável e um dos principais exportadores da música eletrônica brasileira, Wehbba permanece incansável e mostra que está sempre em busca de novas dimensões criativas e de quebrar os limites do óbvio no universo do Techno. Prova disso é a sua mais nova gravadora, a HIFN, inaugurada oficialmente há poucos meses e que recebeu o segundo EP no último dia 06 de junho, batizado de Ticprei / Llull.

No entanto, antes de chegar até aqui, Wehbba construiu uma carreira com feitos impressionantes que merecem ser destacados. Suas conquistas, como produtor, podem ser medidas pelo número de artistas respeitados com quem ele trabalhou diretamente ao longo dos anos, seja através de remixes ou collabs. A lista vai de Laurent Garnier a Danny Tenaglia, passa por ícones como John Digweed e Joseph Capriati, Christian Smith e Stephan Bodzin, além de muitos outros. No âmbito de gravadoras, não é muito diferente; são vários releases pela Tronic — incluindo dois álbuns — Systematic, Bedrock, Soma e uma parceria de prolífica e exclusiva com a Drumcode.

“Depois de 6 EPs, 5 coletâneas e 1 álbum em 7 anos trabalhando exclusivamente com a Drumcode, um período maravilhoso e de muito aprendizado, senti confiança e necessidade de dar maior vazão às minhas idéias e projetos, e também de fazer parte de plataformas que eu acredito compartilharem meus valores e que empurram a cultura para frente”, destaca Wehbba, que agora tem a sua label HIFN para chamar de sua. Nela, o artista está com uma proposta que vai além da música, abrindo espaço para dar vazão a uma outra área artística que ele sempre foi muito chegado: a literatura. 

“Eu sempre tive a literatura como uma das minhas principais formas de expressão artísticas desde os meus 10, 11 anos, ganhei viagens e competições de redação na escola”, conta o artista, que tem inserido poemas em formato de áudio nos lançamentos da nova label. No primeiro EP, a voz de uma inteligência artificial fez o papel de narrar um poema escrito por ele, enquanto neste último, sua amiga de longa data Joyce Muniz foi convidada para a tarefa; a ideia, segundo ele, é sempre “explorar novas maneiras de representar a obra escrita”.

Mais detalhes dessa história você confere nesta entrevista exclusiva e super especial que fizemos com ele. Aproveite a leitura enquanto escuta o novo EP:

Olá, Wehbba. Obrigado por nos atender. Vamos começar falando da sua mais nova empreitada, a HIFN. Um dos grandes diferenciais da gravadora (e dos lançamentos) é a inserção da literatura junto dos releases, certo? Então queremos saber um pouco mais da sua relação com essa área criativa… quais trabalhos você já fez com literatura no passado? Desde quando essa conexão com as palavras te acompanha? 

Olá, pessoal. É um prazer! Eu sempre tive a literatura como uma das minhas principais formas de expressão artísticas desde os meus 10, 11 anos… ganhei viagens e competições de redação na escola, compunha letras de música para minhas bandas e para amigos, mas continuei escrevendo poesia e contos desde então, porém eu nunca tinha publicado nada, até o lançamento do meu álbum Straight Lines and Sharp Corners pela Drumcode em 2020, quando resolvi publicar um poema na capa do vinil triplo que fizemos.

Na estreia da label, você lançou o EP Nitro, que foi muito bem recebido. Agora, no último dia 07, você soltou mais um EP, Ticprei/Llull. Parece que a inspiração foram as ruas de Barcelona e do bairro onde você mora, trazendo elementos de beatboxing e linkando com a cultura street, sem deixar de lado o peso do Techno. O que mais você poderia destacar deste EP? 

Na verdade, a inspiração do EP é a vida e cultura urbana em geral. Tive a ideia e concebi a ‘Llull’, uma das faixas do EP, enquanto caminhava entre minha casa e meu estúdio, quando ainda vivia em Barcelona. ‘Ticprei’ tem um sample de um beatbox tirado de um meme no YouTube e também remete a cultura hiphop. Eu sempre fui fascinado pela dinâmica de experiência humana na rua, e quis trazer um pouco de reflexão sobre isso nesse EP.

Um detalhe curioso é que há um corte vocal ‘inusitado’ na faixa… a voz que se escuta é sua mesmo? De onde veio essa ideia?

A voz não é minha, tudo o que usei em ‘Ticprei’ foi tirado de trechos de vídeos independentes (sem fins comerciais) do Youtube. Quem acompanha meu trabalho há um certo tempo sabe que eu gosto de usar vocais em português, e nessa encaixou perfeito!

E pra versão wordscape desse EP, você optou por não fazer com inteligência artificial como no primeiro release, mas convidar Joyce Muniz para recitar o poema que você escreveu. Vocês já são amigos há bastante tempo? O que te levou a escolhê-la como voz pra essa colaboração?

Conheci a Joyce há pouco mais de 10 anos e nosso santo bateu desde então. Fiz um remix pra ela há algum tempo atrás que foi um sucesso, chamado ‘Sleepless’, e desde aquela época estava esperando a oportunidade certa pra convidá-la para fazer algo novo. Durante uma conversa com uma amiga nossa em comum, o nome dela apareceu e fui correndo ver se ela topava.

O tom de voz grave e o sotaque super particular da Joyce eram exatamente o que eu tinha em mente quando escrevi o poema para essa segunda wordscape. A ideia para cada wordscape nos EPs é explorar novas maneiras de representar a obra escrita, então para essa segunda já fui para um outro caminho bem diferente, e para o terceiro já tem algo totalmente diferente planejado também.

Ainda em maio, você também participou de um evento que contou com uma experiência imersiva, onde você abriu o projeto das faixas do último lançamento e ainda tocou algumas músicas em Dolby Atmos, usufruindo dos 32 auto-falantes que tinham no estúdio Des Sons Animés. Como foi essa experiência para você? Você acha que essa tecnologia de áudio imersiva é algo que pode ganhar mais espaço no mercado nos próximos meses/anos? 

Foi uma das experiências mais legais que tive nos últimos anos. Principalmente quando me toquei que aquilo não era simplesmente uma maneira diferente de escutar música, e sim basicamente uma nova forma de expressão e experiência artística. É um mundo novo, do qual quero fazer parte com toda a certeza. Tive a oportunidade de mixar o novo EP em Dolby Atmos, que está disponível para quem quiser ouvir na Apple Music ou outras plataformas que disponibilizam esse formato, e também desenvolver uma breve apresentação de 30min também usufruindo do sistema do estúdio, tudo isso foi registrado e estará disponível na plataforma e comunidade online HIFN, que vai ao ar muito em breve!

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Por curiosidade, entramos no seu Soundcloud e vimos que você upou algumas faixas antigas lá. Pela foto de capa e pelos títulos, parecem ser os primeiros projetos de quando você começou a produzir… é isso? Por qual motivo você decidiu compartilhar esses arquivos? De alguma forma você tem revisitado seus trabalhos antigos e tentado trazer algum elemento pras músicas atuais? 

Sim, o que postei foram gravações das minhas primeiras músicas, não somente de quando comecei a produzir, mas sim das primeiras músicas de fato. Eu decidi compartilhar porque faz parte da minha nova empreitada, encabeçado pela criação da HIFN, de compartilhar informações e idéias para continuar aprendendo e desenvolvendo novos conceitos, mobilizando a cultura da música eletrônica para além da pista de dança.

Acredito que num momento em que tudo que se vê online é fabricado para criar uma imagem de perfeição e excelência inabaláveis, é importante trazer a tona parte do processo de evolução, dedicação e empenho para que artistas dessa geração criem essa consciência de que nada é imediato e grátis, que existe um processo por trás do sucesso e da qualidade, e que não importa de onde se começa, dá pra chegar onde for se rolar muita dedicação.

Além desses últimos releases pela HIFN, você também lançou neste ano pela Drumcode, em janeiro, e pela VOLTA, ao lado de Victor Ruiz, em fevereiro. Este é um ano que você pretende dar mais vazão nas suas produções? No que você pretende focar de agora em diante na sua carreira? 

Depois de 6 EPs, 5 coletâneas e 1 álbum em 7 anos trabalhando exclusivamente com a Drumcode, um período maravilhoso e de muito aprendizado, senti a confiança e necessidade de dar maior vazão às minhas idéias e projetos, e também de fazer parte de plataformas que eu acredito compartilharem meus valores e que empurram a cultura para frente. VOLTA é definitivamente uma delas, e tem ainda muita coisa planejada até o final de 2024, entre collabs e lançamentos solo, inclusive um novo EP pela Drumcode agora em agosto, além, é claro, de muita coisa minha vindo pela HIFN até o final do ano.

Você está radicado em Barcelona ainda? O que de mais proveitoso viver na cidade contribui para a sua vida pessoal e profissional que outros lugares não poderiam? Além disso, você pensa em retornar ao Brasil ou se mudar para outro lugar no futuro?

Eu vivi em Barcelona por 8 anos, mas recentemente me mudei para Lisboa. Barcelona sempre foi e ainda é um dos meus lugares favoritos no mundo, e sou extremamente grato por tudo o que pude viver por lá, mas já era hora de novas aventuras. Não sou do tipo de criar raízes, já vivi em 5 cidades e países em 3 continentes diferentes durante minha vida adulta, e cada novo lugar traz nova inspiração, novas ideias e novos desafios. E isso sim acredito que contribui para minha vida pessoal e profissional em diversos níveis.

Para finalizar, gostaríamos de saber qual é a mensagem que você deseja transmitir através da sua música. Qual o impacto que você quer que seu trabalho tenha nas pessoas? Obrigado!

Eu sempre busquei transmitir a liberdade, a verdade. Especialmente depois de criar a HIFN, meu objetivo é que cada vez mais a arte e a cultura da música eletrônica tenha o efeito transformativo nas pessoas que teve em mim lá nos anos 90, oferecendo um estilo de vida livre, consciente, conectado e feliz.

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