SASHA: Quatro horas de pura classe no carnaval do Surreal Park

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Por em 20 de fevereiro, 2024 - 20/02/2024

Historicamente os clubes de Santa Catarina possuem uma relação muito próxima e intensa com o período de carnaval, com grandes noites e estreias de big names marcando gerações desde os anos 2000. É algo cultural, carnaval no litoral norte é eletrônico! Repleto de excelentes opções e atraindo pessoas de todo país. Uma dessas opções se apresentou com ninguém menos do que Sasha, um dos criadores do estilo mais aclamado do sul do país, o progressive house. Ele estreou em SC justamente em um carnaval no ano de 2006 no Warung Beach Club e de lá para cá, protagonizou noites lendárias e memórias afetivas muito profundas devido sua forma de tocar e sua identidade musical singular. Após quatro anos de sua última vinda ao Brasil, ele foi escalado para um long set na pista Nomad do Surreal Park

Após o anúncio, eu aguardei ansiosamente e torci para que o novo público pós pandemia que predomina nas pistas entendesse o tamanho do nome que desembarcaria por aqui. Claro que ninguém vive de história em uma cena que se renova tão rápido como a nossa e esse é com certeza nosso maior problema no Brasil; música eletrônica é ainda algo para “até os 30’’, enquanto na Europa e outros países, é algo entendido como um estilo de vida, onde se frequenta a cena por muito mais tempo.

Ainda assim, temos a sorte de ver nomes como Sasha ganhando novamente protagonismo em períodos importantes do calendário Brasileiro. Um artista que pertence aquela primeira geração de DJs que viraram fenômenos globais nos anos 90 e ajudaram a formatar os estilos que conhecemos hoje. Dá para imaginar quantas pistas esse cara já comandou ao longo de 35 anos de carreira? 

Para eu pessoalmente, que passei a adolescência ouvindo Involver 1, que tanto fui influenciado pelo cara que produziu Xpander, Wavy Gravy, Belfunk, Trigonometry, Track 10… que remixou Flutes, In a State, Crystalised, Smaltalk, e tantas outras faixas de uma extensa discografia que possui inúmeros clássicos na dance music underground, sempre será um grande momento dividir o mesmo espaço físico com este ser inalcançável. Vamos a noite. 

Cheguei no club por volta da 01h e Fell Reis estava fazendo um set que teria sido ideal para entregar ao Sasha. Dessa vez ele se preparou muito bem para tocar um som dançante, porém sem atropelar o horário. Faixas do mesmo mundo sonoro do headliner, afinal, Fell já lançou por sua label LNOE e é amigo de longa data do galês. Destaque de seu set vai para o excelente remix de Karmon para ‘’Kaputt’’.

Fell termina o set com um som sem batidas, um vocal lindo em espanhol e merecidos aplausos. Quando Phonique surgiu no line-up, todos ficaram imaginando; ‘’onde ele vai tocar?’’. 

Eu ouvi um warm-up seu excelente no Garden do Warung ano passado, então tentei pensar que ele iria fazer uma boa transição. Porém, ao meu ver, a escolha sonora que Phonique fez não conectou com a proposta da noite. Ele tocou Melodic House & Techno e até Indie Dance, algo que não condiz com sua própria história. O público gostou, é claro, é o som do momento, porém, olhando pela ótica de construção da noite, não foi adequado. Entregou a pista com energia em alta, algo desproporcional para passar o comando para alguém como Sasha. Na verdade, penso que Sasha deveria ter assumido a noite já às 02h da manhã, indo até às 06h, pegando o sol nascendo. Claro que olhando em retrospectiva é fácil falar isso e também essa decisão de jogar o Phonique para o final teria causado muitas reclamações. Seguimos. 

Às 04h em ponto Sasha assume com olhares de; ‘’ok, vamos ver a tal lenda’’. Já em sua introdução, ficou claro o porquê é um dos maiores DJs que a cena clubber já produziu. Ele joga uma faixa com um sub-bass longo e potente em meio a um arpejo viajante deixando todos impressionados. O vídeo abaixo fala por si. Criou-se uma sensação muito animadora na pista de dança. 

Em seguida ele continua com tracks atmosféricas e linhas de sub-bass muito fortes. Parecia que ele havia aberto uma outra dimensão ali naquela escuridão e sua primeira hora de set dava o seguinte recado; ‘’entrem! Porém, não é para todos ficar’’. Porquê? Pois o seu estilo não passa por linhas de uma sonoridade alegre, não é fácil, não é super dançante, as linhas de hi-hats são mais retas, como se fossem de techno, porém, ele entrega linhas de grave que te sugam a mente, são poderosas e elas se aliam a um jogo mental, misterioso e um tanto ácido. 

Entenda, o peso não se trata apenas de BPMs altos, mas sim de linhas baixas amplas cobrindo todo o espectro do ambiente. Eu estava adorando, era aquele progressivo dele dos anos 2000, da época da Maven, é algo realmente denso de se ouvir. Um som que você não encontrará em nenhum outro lugar. Essa é a beleza de um artista desse tamanho, ter o seu próprio som sem tendências. 

O primeiro vocal vem com a faixa ‘’Hacienda’’ de Animal Treiner. Ela levantou a pista e é um ótimo exemplo do som proposto. Hacienda nada mais é do que o clube mais lendário da Inglaterra, onde Sasha começou a sair para ouvir música eletrônica ainda no final dos anos 80 e onde também chegou a tocar suas primeiras gigs. O Club tinha como proprietário ninguém menos do que Peter Hook, líder das bandas Joy Division/ New Order.

Não era um set para esperar músicas conhecidas e sim para entrar em uma jornada de construção de uma ideia sonora até o amanhecer. A exemplo da faixa ‘’Poison’’ de Ashee, que tinha um vocal que me lembrou ‘’Destroy Everything You Touch’’ do álbum Involv2er. 

‘’Forever Is Over’’ de Dead Tones & Of The Moon foi outra faixa que gostaria de destacar. No beatport ela está classificada como Indie Dance, porém não tem nada de Indie a não ser o baixo loopado, com todo o resto sendo algo viajante e progressivo. Aliás, as 2 primeiras horas de set foram da mais pura classe! Que seleção musical fina e coerente. 

Outra faixa que destaco é ‘’Moonshake’’ (Four Candles Remix) do Circulation. O que dizer disso? Se imagine perdido em uma tormenta em alto mar no meio da noite, qual seria a trilha desse pesadelo? Essa faixa cairia bem. 

Com a claridade tomando conta da escuridão, ele começa a soltar as amarras da densidade para linhas de baixo mais dançantes e mais momentos viajantes e algumas explosões. 

Quando o sol surgiu, e ele veio de forma muito bonita entre nuvens, parece que Sasha mudou um pouco o humor do set. Nada mais do que o curso natural de uma construção progressiva. É preciso paciência, porém isso é algo que não vemos em muitas pistas mal acostumadas a viagens frenéticas de duas horas. A quantidade de espectadores havia diminuído um pouco,  nada que atrapalhasse a sensação coletiva, eu entendo que muitas pessoas não absorveram algo tão mental e de fato, ninguém é obrigado a gostar de nada e de um estilo de elementos tão particular. Há também a questão de que não há nenhum grande DJ no Brasil tocando algo semelhante, não há referências cotidianas. Seguimos. 

Algum amigo me pergunta na pista: onde estão as melodias? Falei, elas virão! É claro que eu não esperava um Involver 3 dele, isso já faz mais de 10 anos. Mas, sempre haverá momentos mais emotivos e um deles, um dos melhores do seu set, foi através de ‘’Steady State’’ de Rari (EMJIE Remix). Que track! 

Um dos melhores momentos do seu set aconteceu em uma hora peculiar, sabe aquela música que coloca a pista em um estado de ‘’euforia coletiva’’ por si só? Sem precisar de apelos. O momento foi que ele havia ido ao banheiro e deixou ela fazendo seu trabalho, quando volta, todos estavam prontos para começar a aplaudir e gritar, se tratava de ‘’Hand In Hand’’ do Tiga & Kolsh com remix de um dos meus produtores favoritos do momento, anotem esse nome; Jonathan Kaspar. 

Outro momento muito especial foi quando ele tocou seu mais novo remix; ‘’You’re So High’’ de Eli & Fur. Uma faixa com bpm mais alto, ritmo intenso e uma melodia vintage ‘’oitentista’’ dando certa nostalgia.

O review ficaria muito extenso se eu fosse comentar em cada vídeo da playlist que está no meu canal dessa hora final, são quase todas tracks marcantes. Foi realmente especial para quem ficou na pista e acreditou na sua construção de set. Muitos amigos é claro, compartilhando e sabendo da importância de estar ali, até o final. 

Outro momento que em que todos vibraram foi com ‘’Between the Clouds “, faixa que Sasha produziu com a nossa ANNA, e é realmente uma track que te coloca nas nuvens.

Quando chega nos momentos finais do set é quando Sasha mostra sua melhor versão, aquela que é capaz de criar o que eu chamo de ‘’uma explosão emocional’’. Nesse caso ela aconteceu com nada mais nada menos do que a faixa ‘’Feels Like I’m Dreaming’’ do Chemical Brothers! Isso mesmo, Sasha tocou CB de manhã para os resistentes e sortudos. É algo que não iremos mais ouvir provavelmente em uma pista de club, a não ser se for com a própria banda eletrônica. 

Um breakbeat não poderia faltar, afinal, é uma marca registrada dele ao longo da carreira, não descobri a faixa, mas era aquele tipo tão característico dele, um vocal feminino recortado em loop e linhas harmônicas subindo e descendo notas até cair em um melodia distante. 

Em seguida ele mixa direto com outro breakbeat, que aula de mix, colocando um dos melhores lançamentos de 2023, através da faixa ‘’Elation’’ de Marsh. Na verdade, ela tem um momento de breakbeat no meio, que foi de onde mixou, voltando para um techno progressivo bem característico do Sasha nos finais de set.

Que encerramento! Eu comecei o set mais ao fundo da pista e terminei colado na grade gritando abraçado com meus amigos. Sasha estava sorrindo e curtindo, ele sabia que era uma faixa daquelas. 

Escrevendo esse review e revendo os vídeos percebi que todas as músicas selecionadas por ele se encontram dentro da minha linha de pesquisa e audição atual.  Depois de 4 anos, pude ouvir na pista de novo diversas músicas de produtores que acompanho de perto, um deleite. Conversando com amigos e conhecidos que estavam lá, tive diversos tipos de feedback, desde pessoas falando ‘’foi um dos melhores sets que já ouvi’’, passando por ‘’gostei das 2 horas finais’’, até ‘’achei muito robótico’’. São todas opiniões válidas e é preciso respeitar. 

Eu acredito que o som dele combinaria muito melhor com a pista Bells em um ambiente fechado. Pode parecer bobeira, mas o ambiente faz toda diferença para a propagação de ondas sonoras de determinados estilos musicais, além do humor do local fechado combinar mais com um set sério e misterioso. No mais, sai super satisfeito e feliz por mais uma vez ouvir um dos meus heróis musicais.

Playlist completa com todos os vídeos:
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