C6 Fest com Kraftwerk e Underworld: Pioneiros da música eletrônica fazem história em São Paulo

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Por em 1 de junho, 2023 - 01/06/2023

Foto: Tati Silvestroni

O último dia 20 de maio ficará marcado na história de São Paulo e do Brasil com a passagem de 3 grupos pioneiros da música eletrônica mundial. O C6fest, que ocorreu no parque Ibirapuera, estava dividido em diversos palcos com artistas para todos os gostos. Um deles se chamava Arena Externa Metlife, com o tradicional auditório desenhado por ninguém menos que Oscar Niemeyer servindo de palco e telão projetado para os shows de música eletrônica das lendas Juan Atkins e seu Model Live 500, Kraftwerk estreando um novo show no Brasil e Underworld

Fiquei sabendo desse evento através de um amigo por acaso. Com a possibilidade de ver 3 grupos lendários no mesmo dia em sequência, não tive dúvidas que seria imperdível e talvez a última chance de prestigiar os caras que deram início a tudo isso que chamamos de ‘’eletrônic dance music’’. 

O evento se iniciava no Sunset, em um gramado com árvores e o sol se pondo em meio aos prédios da selva de pedra. Ali, ouvimos música como se tivéssemos ainda no século 20. A organização estava excelente, vários tipos de drinks, espaço para descanso e comidas. 

Não tenho o número oficial, porém acredito que em torno de 5 mil sortudos estiveram lá. O mais incrível, era ver um público super democrático; desde casais na casa dos 50, até grupos de jovens de 20. Eu fiquei pensando, ‘’realmente o pessoal mais velho ouvia isso’’. Na verdade, o som da noite estava mais para eles, do que para a turma dos 30. Quando você começa a fazer contas na cabeça, entende que era mais justo ter um público entre 40 e 60 anos no evento. O ingresso era caro, e a divulgação a nível nacional deixou a desejar a meu ver, mas mesmo assim deu pista, e que pista! Vamos aos shows! 

Juan Atkins fez parte do Bevellie Three, junto de Derrick May e Kevin Saunderson. Juntos, eles são nada menos do que os responsáveis pela criação do que chamamos de Techno, isso ainda lá nos anos 80 em Detroit. Ter a chance de ver um deles ao vivo é de arrepiar. 

Seu show Model 500 Live é composto por Juan cantando junto de um teclado midi, além de outros dois integrantes disparando as sonoridades de um techno pré-Berlim. Foram 50 minutos de música, algumas poucas pausas, eles estavam mais ao fundo do palco, em meio a lasers e certa escuridão, realmente algo underground. O sistema de som estava baixo, deixando a pista gelada, ainda que tentando se interessar pelo estilo. Creio que a falta de volume atrapalhou demais a apresentação deles, ainda que fossem aplaudidos ao final. 

Pausa de 20 minutos e começamos a ver movimentos no palco, quando a produção trouxe as mesas do quarteto para frente do stage, bem próximo do público, todos entraram em delírio. Começou a rodar uma música super obscura, para ambientar todos ao que viria. Nas telas, números aleatórios rodavam sem parar. Os ‘’Robots’’ estavam vindo. 19h20, com a pontualidade alemã, Kraftwerk sobe ao palco com os leds em verde, inclusive eles, com seus trajes conectados a música e luzes. 

A mensagem era: somos uma coisa só, não há distinção. A primeira música foi ‘’Numbers’’, já em seguida veio ‘’Computer World’’, com um vocal que é mais atual do que nunca; Bank, FBI, CIA, KGB, controll the data, memory. O passado parece repetir o presente; lá atrás eles identificaram que os computadores iriam dominar a sociedade! 

Spacelab vem para nos mostrar imagens do planeta terra vistas do espaço, satélites e mapas com geolocalização. A batida dela era forte e o sistema de som estava limpo, com qualidade e bem mais alto (ainda que não o suficiente). 

‘’The Man-Machine’’ traz a cor vermelha tão característica deles ao palco. Imagens de formas geométricas suspensas no ar e rodando me fizeram ficar hipnotizado, a melodia dessa música é daquelas que gruda na cabeça; é simples, é bela, é eletrônica! 

‘’Autobahn’’ era uma das mais aguardadas da noite, é talvez o grande clássico deles, com 13 minutos e é também o título do álbum que fez a banda ganhar projeção fora da Europa nos anos 70, através de um single, ganharam notoriedade nos EUA e também um fã muito especial; David Bowie. Ele adorava dirigir pelas Autoban (estradas sem limite de velocidade alemãs) com sua Mercedes ouvindo Krafwerk. David virou amigo do grupo, que claramente o influenciou quando se mudou para Berlim e compôs a três álbuns, entre eles Heroes, com forte destaque e influências eletrônicas.

Depois, vieram ‘’Computer Love’’ e ‘’The Model’’, com vídeos mostrando as roupas usadas por jovens mulheres da alta sociedade de Dusseldorf naquela época, onde Ralf Rutter e Florian Schneider frequentavam um clube de elite local, dentro de um raro e curto período da carreira em que eles se colocaram na posição de ‘’rock stars’’.  

‘’Tour de France’’ foi outra faixa muito aclamada pelo público. ‘’Prologue’’ e ‘’Chrono’’ vieram mixadas em seguida. Eu tentava saber quem era Ralf entre os 4 integrantes no palco (único fundador original ainda no grupo, visto que Florian faleceu em 2020). Logo descobri que era o único que fazia algum tipo de movimento, mesmo que mínimo, mexendo a perna as vezes conforme a música. 

Em seguida, ’’Trans Europe Express’’, que eu adoro, seguida por ‘’Metal On Metal’’ e ‘’Abzug’’. ‘’The Robots’’ foi o clímax da apresentação, com a clássica imagem deles vestidos com suas tradicionais roupas sociais, gravata, cabelo cortado estilo anos 50. Era a capa do álbum The Man Machine, de 1978. 

Quando você olha, parece algo totalmente oposto de um grupo com sons esquisitos e disruptivos. Ao mesmo tempo, mostrava uma personalidade e estética muito próprias, eles não queriam ser associados a um grupo de Rock, com cabelos longos, roupas rasgadas e comportamento rebelde. Ver os bonecos robôs-humanos girando e levantando os braços naquele telão gigante foi realmente emocionante. 

‘’Planet Of Visions’’, que é uma faixa à frente do tempo, soa realmente como um techno dos anos 90, quando o termo techno ainda nem tinha sido inventado, eles já tinham feito algo mais acelerado e ácido.  ‘’Boing Boom Tschak’’ mixando com ‘’Music Non Stop’’, que se tornou uma das expressões mais famosas na história da Dance Music, fecharam o show. 

Eles foram descendo 1 por vez na última música, até Ralf vir mais a frente do palco a agradecer de forma um pouco mais acentuada. Muitos aplausos e um sentimento de dever cumprido, sim, eu havia visto uma vez na vida o Kraftwerk. Ainda que suas músicas soem cruas e com estruturas simples se comparado ao que ouvimos nos dias de hoje, quando você considera que foram feitas a 40 anos atrás, com máquinas rústicas, sem software algum, então você passa a entendê-las como algo realmente disruptivo, afinal, ninguém tinha feito qualquer coisa semelhante antes. Como é ser o primeiro? Fazer algo que irá influenciar gerações, desde artistas do rock, do pop, do hip-hop, techno, house, até hoje. David Bowie, Madonna, Joy Division, New Order, Depeche Mode, e Underworld, que veio em seguida, beberam da fonte chamada Usina de Energia, ou Kraftwerk. Alguns críticos falam que eles foram mais influentes que os Beatles, por mais surreal que isso possa parecer, quando olhamos todos os estilos que vieram em seguida fazendo uso de sons provenientes de máquinas sequenciadoras e não de instrumentos convencionais, você começa a não duvidar de tal afirmação. 

Após mais uma pausa de 20 minutos, vemos subir no palco a máquina que seria comandada por Rick Smith. O duo Underworld (que já foi trio), estava a 17 anos sem pisar no Brasil. Ainda que houvesse muitas pessoas de mais idade entre o público, a grande maioria estava começando a sair ou ainda era criança, quando eles fizeram a última aparição por aqui, então, era um sonho da grande maioria que estava se realizando. 

Quando a música começa, logo uma sensação comum de intensidade começa a se dissipar. Era como se a música de Atkins e do Kraftwerk tivesse condensado uma energia enorme no público, estando pronta para ser colocada para fora. Poucas vezes vi uma insanidade coletiva tão emocionante em pouco mais de 1 hora de show. Quando Karl Hyde saia de trás da máquina sonora e vinha cantar perto de todos, de um lado para outro do palco, era um delírio total. 

Não preciso dizer o quão incrível foi ouvir alguns dos maiores clássicos da banda. O show deles não é tão visual em imagens, ainda que tivessem lances meio psicodélicos nos telões. Na verdade, é totalmente focado no palco, estilo anos 2000. 

Muitos lasers, muita fumaça e Karl saltando, dançando e absorvendo a vibração da pista como combustível. Era um clima meio caótico, com um som super progressivo, eu diria que a música deles é um house progressivo clássico. Two Months Off, Dark & Long, Jumbo, King Of Snake, Rez, Cow Girl, And the colour Red (música nova) entre outras, fizeram todos cantar e levantar as mãos seguindo a maestria de Karl em comandar o show. 

O grand finale não poderia ser diferente, Born Slippy, talvez a música que mais representa a dominação deste estilo no Reino Unido dos anos 90, marcando toda uma geração e sendo parte da cultura pop Europeia. 

Passou tão rápido, todos aplaudiam sem parar, Karl e Rick estavam visivelmente emocionados. Ainda havia energia para mais algumas horas se fosse possível, Karl deixa o palco dando saltos e girando, como se ainda estivesse se apresentando. Me dei conta que éramos muito sortudos em ver esses caras, com essa idade, fazendo tamanha entrega músical. São verdadeiros exemplos do que é uma vida dedicada à música. 

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