Warung Day Festival revive o espírito do templo e bate recorde de público

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Por em 17 de maio, 2023 - 17/05/2023

Surpreendente. Se pudesse resumir em uma palavra como foi a 8ª edição do Warung Day Festival, seria essa. O contexto em que o festival se realizou também marcava um momento extremamente delicado. Depois do fatídico incêndio no Warung Beach Club, onde o lendário Inside simplesmente deixou de existir em algumas horas, realizar o festival se tornou a prioridade máxima. Era o momento de mostrar a força da marca, sendo capaz de transcender qualquer material físico. Nas postagens pré-evento, a organização tratou de incluir o sentimento de ‘’o espírito do templo estará presente na Pedreira’’. Eles conseguiram, mais adiante irei explicar melhor. 

Quando o line-up foi anunciado, confesso que fiquei com certa dúvida quanto a adesão do público, mas, claro, sabia que tinha ali nomes que são verdadeiros ticket sellers. A curadoria apostou também em alguns nomes que nunca tocaram no club, era o caso de Camelphat e Chloé Caillet e Bonobo. Este último, entre o pessoal mais antenado, era visto como ‘’o melhor destaque alternativo’’. 

A verdade era que a montagem dos artistas passava por casar com a já vinda de muitos para a Time Warp em São Paulo. A aposta deu mais do que certo, recorde de público, nada menos que 17 mil pessoas escolheram ir em um festival sem comparativos na América do Sul; o local, as decorações, a qualidade do público e a organização impecável mais uma vez justificaram o título de ‘’melhor dia do ano’’. 

Eu sou da época que outros nomes eram a bola da vez e mesmo que acompanhe de perto e observe todas as transformações da nossa cena nacional, fica difícil mensurar sem dados para qual lado o interesse das novas gerações está caminhando. 

Ao entrar no festival, por volta das 04h30, foi realmente impactante. O Warung Stage estava completamente tomado, e até mesmo nas áreas laterais e camarotes (que formavam outras pistas paralelas) já estava cheio, motivo? Vintage Culture estava se apresentando. Ele é hoje o principal artista Brasileiro dentro do gênero no mundo e muito se deve por conseguir transitar entre o conceitual e o comercial com enorme personalidade. 

Colocar um artista tão grande já as 15h funcionou como a curadoria sempre quis. Por anos o festival tentou fazer o público estar em peso antes das 05h. Com Vintage tocando o que tinha de melhor, aconteceu. 

Após andar através dos palcos, consegui entender melhor a nova configuração adotada. Depois de 8 edições e muitos testes e melhorias, parece que eles encontraram a combinação ideal entre os Stages. Claro que uma pista estar na Ópera facilita as coisas, porém, em 2022 ainda acontecia uma forte reverberação entre o W stage e a Pedreira Stage.

 Agora, o lado onde os DJs tocaram na Pedreira ficou invertido, ficando então virado para o mesmo lado do W stage. Em ambos os lados do W stage havia espaços elevados de camarotes e área Vip, com caixas de som independentes e telões onde era possível ver o artista se apresentando. Era como se o W Stage tivesse 4 pistas, uma central, duas laterais e mais uma ao fundo, que ficava em cima das áreas de bares e banheiros, formando então camadas de públicos e dando um visual muito interessante.

No canto do lago, onde em outras edições era uma pista, foi feito uma área de descanso e espaço de relaxamento. Na entrada do festival estavam os já tradicionais food trucks, além de barraquinhas de artesanato e o W Store

Outro destaque foi o sistema de som, com nada menos que a marca francesa L-Acoustics, considerada a melhor do mercado para festivais. Eu por anos não curti festivais por não entregarem a mesma imersão sonora que um clube pode proporcionar, porém com um SS deste nível, é possível ter uma experiência semelhante a de club.  

Fui rapidamente dar uma olhada na Ópera e conferir dOP em seu live, a pista não estava cheia ainda, porém eles estavam super animados e cantando em cima da mesa. Tocar de frente para aquele visual todo de vidro circular realmente deixa qualquer um empolgado. A pista também foi invertida em relação a ano passado, com os palcos sendo feitos em cima das cadeiras da Ópera e formando uma escada em 3 lances. Ficou realmente incrível, com certeza se fosse um clube, seria um dos mais épicos do mundo. 

Voltei para o W stage para pegar desde o início o set do meu amigo Zac. Ele preparou com muita coragem uma intro em poesia, uma clara homenagem ao Templo. Tocar depois de Vintage não é fácil, porém com personalidade ele soube criar seu impacto inicial zerando a pista, afinal, ainda era cedo, não havia porquê apressar as coisas. Pude ir bem perto do palco, que foi montado para ser uma imitação da sacada do Warung. Aqueles 2 ombros para os lados, aquela ponta para cima, a arquitetura tipicamente das casas de praia encontradas na ilha de Bali, tudo estava lá.

 Quando começou a escurecer, pareceu um amanhecer no templo, era como se o DJ estivesse tocando na sacada do Inside, de frente para o mar, que era formado pelo público. Quando me dei conta disso, realmente fiquei emocionado e a saudade da casa de madeira bateu forte. Foi uma escolha de palco genial e muito pertinente, todos puderam sentir o tão aguardado espírito do templo pairando sobre o Stage. 

Destaco a faixa ‘’Consciousness’’ de Anyma & Chris Avantgarde (Eric Prydz remix) como talvez um dos principais momentos do evento, pois se trata de uma das músicas mais conhecidas e mais gravadas nos eventos de Afterlife. O público adorou e pude ver muitos sorrisos ao redor. Ainda, Zac escolheu um encerramento para emocionar ‘’Impossible’’ de Royksopp (&ME remix).

Com um melódic house muito bem construído, o residente deixou a pista no humor perfeito para Camelphat. O duo inglês confirmou minha expectativa durante a 1 hora em que assisti. Um som levemente viajante, com menos breaks longos, colocando a pista em um ritmo mais constante. 

Em seguida fui conferir o espaço ‘’Experience’’ em baixo da Ópera, onde era oferecido finger food, água e refrigerante, além de espaço beleza para as mulheres e massagem. Depois de descansar um pouco, subi para assistir Bedouin. 

O som deles me lembra um pouco o Guy Gerber, porém menos viajante e mais cadenciado. É um estilo que eu adoro, com muitas referências no Oriente Médio. Eles são a cara do Burming Man festival e fizeram o público se conectar o tempo todo. Se formou uma vibe de clube, com telões no back stage e a frente do palco, além de um público muito animado. 

Em seguida, assumiu um dos artistas mais autênticos dos últimos anos, Bonobo se destacou na cena eletrônica fazendo álbuns sem ser para a pista. Porém, recentemente ele passou a se apresentar em festivais como DJ e sua vinda ao Brasil foi comemorada. Seria a oportunidade de ouvir algo totalmente diferente, mais quebrado, sem o padrão estabelecido. Ele recebeu a chance de fechar a Ópera com um set que seria de três horas. 

O problema é que Bedouin deixou a pista em um balanço e ritmo excelente. Bonobo começou bem lentamente, como se tivéssemos no inicio do evento. Não deu outra, a pista em 30 minutos havia esvaziado, ficando só quem realmente queria muito vê-lo e sabia o que esperar. Eu acredito que olhando agora, sua apresentação seria mais apropriada pós dOP no sunset. Tanto é que ele mesmo decidiu parar de tocar a meia noite, quando foi chamado Albuquerque para cobrir essa hora final. 

Fui assistir Adriatique e cheguei com eles tocando sua terceira hora de set. A dupla mantinha um ritmo bem forte e característico. Faixas como ‘’Dance With Me’’ chamaram atenção. Na parte final começaram a soltar mais vocais, a exemplo do incrível remix para ‘’On My Kness’’ de Rufus Du Sol. 

Ainda deu tempo para ver 30 minutos de Blancah na Pedreira. É muito importante que artistas residentes do club, tenham a chance de fechar uma pista no festival. Ela tem som e toda entrega para isso. Estava tocando seu techno progressivo e um pouco obscuro, com a pista bastante interessada. 

Deixei o evento faltando 10 minutos para o final, ainda estava com um grande público, e muitos iriam continuar no after party oficial no Jokey Clube com nomes como Gorje Hewek e D-Nox. 

Acredito que tenha sido a edição mais bem organizada de todas, em todos os sentidos; distribuição de palcos, sem filas para consumo de bebidas e com dezenas de locais ‘’instagramaveis’’ com decorações características do templo. Cada canto do espaço foi utilizado da melhor forma, e isso se chama compromisso com a qualidade total. 

O ser humano ao longo da história se relacionou estreitamente com locais paradisíacos, ou vistos como especiais e até mesmo sagrados. Toda vez que nossa espécie encontrou algum desses lugares, estabeleceu ali relações que ficaram marcadas nos livros de história. Não é difícil dizer que uma Pedreira desativada ao lado de um lago cercado de muito verde no coração de uma das principais cidades da América do Sul, é também um desses locais ditos enigmáticos e repletos de história. 

Para completar, ao lado se encontra uma maravilhosa obra da arquitetura humana. Construções circulares fazem parte da nossa história desde os gregos, e a Ópera de Arame é algo que realmente precisa ser valorizado. Imagina ouvir música eletrônica lá dentro? Sim, o Warung Day Festival consegue esse feito e todo o esforço é recompensado pela reverência do público. 

Não há nada parecido na América do Sul e temos que nos orgulhar de termos um festival genuinamente brasileiro, que não deve em nada para os melhores do planeta. Que venha a 9ª edição, já estamos ansiosos!

Fotos: Ebraim Martini & Biah Art

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