Diggin With: Adriano Nadalin | Tecnologia e Discotecagem: uma relação antiga e cheia de possibilidades

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Por em 15 de junho, 2022 - 15/06/2022

Se tem algo que eu acho peculiar na música eletrônica é a forma como um DJ se apresenta, de que forma ele vai tocar aquela música ou construir sua apresentação. Assim como a evolução tecnológica influencia a história, ela também influencia a execução de um set. Em uma certa época, pelos anos 50-60, as festas e bailes eram comandadas por bandas, anos mais tarde o papel de maestro da noite ficou a cargo dos DJs. Essa mudança só foi possível com o surgimento de alguns equipamentos como toca-discos e mixers. Atualmente, existe uma variedade de possibilidades para um DJ executar seu set.

Para o episódio desta Diggin With, Adriano Nadalin traça um paralelo entre tecnologia e discotecagem, trazendo alguns fatos históricos e como faz da tecnologia uma aliada para se expressar. Com um perfil voltado para o Techno, Nadalin é um buscador constante por evolução e através de um setup híbrido constrói um som autoral em suas apresentações e momentos enérgicos para o público.

Adriano Nadalin: 

A inseparável relação entre música e tecnologia

Separar a música, como a conhecemos, e a tecnologia, é algo impossível. Quando trazemos essa reflexão para a discotecagem, fica ainda mais claro. Uma das primeiras evoluções disponíveis foi a capacidade de gravar, reproduzir e transmitir apresentações musicais. Antes disso, a oportunidade de ver uma performance era algo único e impossível de ser vivenciado novamente, também, sem isso, não teríamos DJs performando. Sem a gravação, o som de bandas como o Kraftwerk não teria influenciado os pioneiros do Techno e House, de Detroit e Chicago, respectivamente, e por sua vez esses gêneros não teriam tido o impacto que teve em DJs e produtores europeus, criando a indústria da música eletrônica como conhecemos hoje.

As músicas, com duração de aproximadamente 4 minutos, quase que um padrão por muito tempo, é um exemplo de como a tecnologia disponível, determina o formato em que músicas são criadas, compostas e produzidas. Os discos de 78 RPM e 45 RPM, tem em cada lado 2 minutos e 3 minutos e meio em cada lado, respectivamente. Com isso, os músicos tinham que adaptar suas composições para que coubessem na mídia e fosse possível disponibilizar suas criações para o público em diferentes lugares e momentos.

A maneira que o DJ decide tocar, no fundo, não importa. O que move as pessoas na pista é o que sai da caixa de som: a música, ela é a protagonista. As tecnologias disponíveis são recursos e servem para que o artista se expresse e se comunique com aqueles que estão ali, deixando ser levados pela música.

Enquanto, o formato mais popular, para um DJ se apresentar, com dois CDJs e um mixer, é muito legal, pois é como se fosse um jogo com regras definidas, e cada pessoas traz a sua interpretação desse jogo (aliada a sua curadoria musical), o uso de softwares, múltiplos canais e controladoras midi é como se fosse a criação de novas regras para esse jogo, trazendo novas possibilidades.

O uso de sync, quantize, loops eletrônicos e outros recursos são todas ferramentas que trazem ganhos para os artistas e, apesar de existirem muitos mitos em volta do uso delas, eu as vejo como aliadas, para focar em outras coisas durante minha apresentação. O tempo que não uso fazendo o encaixe das músicas, o beat match, posso usar para incluir novas fontes de sons e elementos musicais na composição do que vai para o soundsystem.

Tecnologia como aliada para me expressar

Uma das primeiras coisas que me conquistou quando entrei pelas primeiras vezes em uma pista de dança tocando música eletrônica e techno, foi a conexão das pessoas com músicas que, muitas vezes, nunca ouviram na vida.

Desde que iniciei os estudos e meu projeto como DJ tenho essa vontade de usar várias camadas de som, efeitos e devices para levar sonoridades diferentes para quem está me vendo tocar. Tocar de modo que o público reconheça elementos e trechos de suas tracks favoritas, mas que na junção com outras fontes de som, aquele trecho seja inédito e eu consiga levar eles através de um groove que seja emocionante, que os toque de alguma maneira.

Na minha concepção, o papel do DJ, é levar para o público essa experiência, não necessariamente tocando aquilo que as pessoas reconhecem e acreditam que querem escutar, mas criar uma história onde ele tem a oportunidade de mostrar algo novo, algo que até aquele momento o público ali presente, não sabia que existia.

Foi a junção da paixão por tecnologia, música e essa motivação de apresentar algo único, que fizeram me apaixonar e escolher usar setups híbridos. A união de diferentes softwares, mixers com múltiplos canais, controladoras mídi, baterias eletrônicas e processadores de efeito, tornam cada setup, um instrumento único com possibilidades infinitas. Dificilmente existem dois completamente iguais, mesmo que façam uso dos mesmos equipamentos em sua construção, as configurações do que cada botão e canal faz será diferente.

Valorizo muito as apresentações com dois canais, curadoria impecável e uso do formato “intro, break, criar expectativa e drop”, muitos dos DJs que mais admiro e gosto de ver tocar, fazem uso desse formato com maestria, e as pessoas na pista já conhecem e esperam isso. Mais do que funcionar é algo mágico que transforma pistas, porém eu nunca consegui desenvolver esse talento.

Não existe regra para quais equipamentos usar e como configurar, geralmente esses tipos de setup são compostos por uma interface de áudio (necessária para transformar o sinal digital do computador em analógico) que pode ser externa ou interna, um mixer e por máquinas como baterias eletrônicas, sintetizadores, processadores de efeitos.

Em uma apresentação com setup híbrido, o mixer será sempre o coração e parte fundamental do fluxo de trabalho, e não existe certo para fazer isso, geralmente, exige vários canais, mas não necessariamente temos que usar um modelo específico. Historicamente, o mixer mais popular, entre os grandes nomes que fazem esse tipo de apresentação, foi o Xone 92, da Allen & Heath.  Richie Hawtin, Chris Liebing e outros faziam uso dele, e é impressionante pensar que um mixer lançado em 2003, quase 20 anos depois, ainda é tão atual, tanto em funcionalidades, quanto qualidade.

Nos últimos anos vimos outros modelos trazer novas abordagens e tecnologias:  Xone 96 (que vem com o mesmo layout do 92 e placa de som interna);  Pioneer V10, que com um EQ de 4 bandas e filtros poderosos é a escolha de artistas como Liebing, Dubfire, Nicole Modaber, mesmo depois de anos usando;  Play Differently Model 1, umas das principais referências quando a ideia é construir um setup como esses.

O Model 1 é a minha escolha atual, mixer desenhado pelo Richie Hawtin e Andy Rigby-Jones, Andy é o pai e mente por trás do clássico Xone 92. O model 1 tem um sistema de equalização bem particular, com filtros e EQ paramétrico que se faz ideal mixar quase que recortando elementos de tracks e outras fontes de som, sendo possível criar no exato momento que se toca. Além de ser 100% analógico e conhecido por uma excelente qualidade de som.

Hoje tenho certeza de que tenho o melhor setup para o momento, isso não quer dizer que ele está finalizado. O equipamento está sempre em evolução, cada botão, fader, efeito e device vai recebendo pequenos ajustes de modo que ele evolui para atender necessidades que surgem com as mudanças que faço na forma como imagino apresentar o Techno para quem me ouve e vê tocar.

Existem diversas decisões que tomo em casa, configurando o equipamento, que permitem que na hora de me apresentar, seja algo desenvolvido ao vivo, escolhendo tracks e elementos, para serem mixados e equalizados ali, na hora, criando aquela coisa única e inédita que tanto me motiva. Essa filosofia na maneira de tocar, faz cada apresentação, algo inédito e que não irá se repetir, mesmo que escolha as mesmas músicas e tente reproduzir, cada set terá um resultado diferente.

Adriano Nadalin está no Instagram e no YouTube.

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