GRVE: entrevista Mari Herzer

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Por em 13 de junho, 2022 - 13/06/2022

“Cheia” é o nome do novo projeto musical de 10 faixas de Mari Herzer. O álbum apresenta ambiências profundas e de qualidade experimental na mesma medida em que traz beats vorazes para sobreporem-se ao seu conjunto elemental melodioso. “Cheia” saiu na MAMBArec, uma casa para ela, onde atua como A&R. Nas ramificações festivas do movimento, Mari Herzer também é artista residente. O álbum pode ser comprado no Bandcamp.

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A DJ e produtora sempre levou sua carreira de maneira destemida, explorando diversas sonoridades, não tornando possível atualmente que se possa definir. Sua colaboração na cena eletrônica independente, sua ótica musical singular e a dedicação constante à produção a levaram a integrar o famigerado grupo Teto Preto, além de permear espaços diversos, dos mais underground aos maiores palcos.

Conversamos rapidamente com Mari diante desta ocasião especial. Confira! 

Oi, Mari, tudo bem? Parabéns pelo lançamento do “Cheia”! Como você chegou a este conceito? O que te inspirou? Nos guie na história pretendida pelo projeto. 

Oi Rodrigo! Tudo bem, e você? Muito obrigada! Eu comecei a delinear esse álbum no fim de 2019, pouco antes da pandemia de COVID. Na época, o dei o nome de São Paulo Solvente, pois havia acabado de me mudar pra cidade de São Paulo (estava lá há quase dois anos). Apesar de ter nascido na capital, fui criada no litoral e voltei pra sp aos 23 anos, com uma mala pequena e uns trocados que juntei trabalhando como garçonete. Como todos sabemos, a vida na cidade de São Paulo pode ser uma experiência opressiva, ainda mais para quem vem de fora e não está acostumado com tanta sujeira, desigualdade social, transporte público problemático. 

O acúmulo de experiências sonoras, visuais e olfativas são coisas que se somam e podem atravessar um novato que está sozinho na cidade. E foi esse o tema que levei pras músicas, mesmo que inconscientemente. São faixas coloridas, cheias de contraste e ruído, assim como foi minha chegada na cidade. Por conta da pandemia, foi um projeto que se estendeu muito – foi difícil me manter produtiva no meio de tanta notícia ruim. 

Mas aí, nesse ano de 2022, encontrei uma veia mais positiva e otimista e consegui fechar o álbum. Por fim, pensamos que o nome São Paulo Solvente poderia ficar um tanto bairrista, então a Laura Diaz, numa reunião da MAMBAREC, sugeriu que o nome dele fosse Cheia, título de uma das faixas – fazendo alusão às cheias provocadas pelas chuvas em São Paulo, o preenchimento sonoro que o próprio álbum tem, ou até mesmo “putz, tô cheia desse trabalho. vamos lançá-lo logo”.

De que maneira a Mamba Negra, seja através de seu trabalho como residente ou como curadora, influenciou no desenvolvimento da sua assinatura sonora ao longo dos anos?

Foi muito importante num sentido musical mesmo. Eu comecei a fazer música eletrônica bastante nova, com 16 anos e não tinha nenhum referencial musical nessa época, seja na família ou entre os amigos de escola – aprendi tudo usando o google, acessando fóruns. Tive alguns anos de aula de piano, isso ajudou em muita coisa, mas nunca saí do básico e sempre fiquei na música clássica, que é infinitamente mais fácil de tocar que a popular. 

Quando entrei na Mamba como artista residente, aos 23 anos de idade, e até um pouco antes disso, comecei a dialogar com estilos musicais e artistas que eu não conhecia e não conseguia acessar por uma dinâmica comum de pesquisa na internet. E aí vieram novos ares, coisas que eu ouço muito hoje e antes não ouvia, desde o jazz, ambient, funk brasileiro, noise e bossa nova – tudo isso enriquece o trabalho de um produtor musical. E digamos que eu tinha a cabeça muito fechada quando era mais nova, só queria fazer techno e nada mais (normal pra uma adolescente que só quer tocar em festas). Isso foi se desconstruindo de maneira gradativa em conjunto com meu amadurecimento e cheguei em algo que eu chamo de um “novo som”: seja ele qual for, tem uma assinatura minha. É também um pouco de “descapitalizar” o som. Gêneros musicais podem tornar a música apenas mais um produto nas vitrines do capital, e me sinto desafiada a não cair nisso. Isso leva muitos anos para ser forjado e é só o meu primeiro álbum.

Até quando estou dando aulas de Ableton Live e produção musical, o foco é exatamente esse: como forjar seu próprio som sem necessariamente se ver reduzido aos termos de um único gênero musical? Acho bonito transitar entre eles, pois é da mistura de temperos que vem a novidade. 

Eu comecei a trabalhar na “curadoria” do selo da MAMBAREC em 2020, justamente no pico da pandemia, pois buscava, da mesma maneira, enriquecer meu contato com produtores musicais novos que estão precisando de uma casinha para fazer seus lançamentos. E isso com certeza deve ter afetado a conclusão do meu álbum, de certa maneira.

Entre as 10 faixas do álbum, tem alguma com significado emocional especial para você? Se sim, por quê? 

A Prólogo, pois é uma canção de amor.

Qual foi o aparato técnico principal, entre hardwares e softwares, que você usou para produzir este trabalho?

Praticamente tudo foi feito no computador, dentro do Live. Muita coisa eu fiz com sintetizadores digitais nativos do Live, como o Operator, que é um sintetizador FM bastante simples e sintético (num sentido de que tem tudo o que você precisa e nada além), ótimo para fazer linhas de baixo características e potentes, presentes em todo o disco. Absolutamente todas linhas de baixo do álbum foram feitas no Operator. Um hardware que me ajudou muito e chegou só quando eu estava terminando o álbum é o Prophet 08. Um cliente me emprestou e o deixou no meu estúdio. Eu fiz a festa e troquei quase todas harmonias de sintetizador do álbum por timbres do Prophet, que é um sintetizador polifônico muito poderoso da Sequential, do Dave Smith (falecido recentemente). As músicas ganharam uma nova cor depois disso.

Sua faceta clubber, em suas produções, vem tomando novas formas, principalmente de 2018 para cá. Quais referências foram ajudando nesses moldes? Diria que seu trabalho solo está cada vez mais pessoal? 

Com certeza está mais pessoal. Quando comecei a tocar em festas com meu live há uns 6 anos atrás, eu nunca me via realmente feliz depois de tocar. Tocar em festa é difícil, tem que lidar com a expectativa de um público grande – as pessoas querem dançar, e nem sempre é isso que consigo ou quero oferecer. Estava estranhando esse sentimento, vi que estava na hora de recolher meus equipamentos digitais e pensar num novo formato de música ao vivo. Agora mesmo estou trabalhando nisso, para uma Mamba Negra que vem aí. Quero fazer uma espécie de show a partir do material do Cheia e coisas novas que eu fizer nas próximas semanas.

O que me ajudou muito é a experiência com o TETO PRETO, tive que reaprender como faz música eletrônica ao vivo pra fazer os shows e nossa recente tour europeia. Com certeza vou levar esse aprendizado para o show que estou construindo com meu trabalho solo.

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