“Uma cópia será sempre uma cópia”, Fell Reis fala da importância da originalidade e de produzir o próprio som

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Por em 26 de fevereiro, 2022 - 26/02/2022

“Everything is a remix”, é o que diria o mini-documentário do Kirby Ferguson sobre o diálogo entre o que existe agora e o que já tínhamos antes na arte. Não é incomum acompanharmos várias tendências na música, além de que está dentro da história da dance music a onda dos recortes constantes nas produções artísticas.

Fórmulas são muito difundidas desde sempre, e em vários mercados. Talvez seja parte do comportamento humano seguir algo que já sabemos que funciona, uma metodologia completamente validada pode vir a “ornar” em alguns sentidos. Mas o quanto comprometemos, em nossos projetos, nossa originalidade, jogando para o mundo algo que não é nosso?  

Não partindo de um lugar de purismo, mas de um lugar de provocação para as nossas ideias em relação ao nosso potencial criativo, conversamos com Fell Reis sobre sua perspectiva diante deste tópico. 

Este artista gráfico e produtor cultural brasileiro foi beber das fontes de Ibiza há seis anos e por lá continuou, chegando a trabalhar com marcas como Ushuaia e Louis Vuitton, participar do desenvolvimento criativo do selo Last Night on Earth ao lado do Sasha, além de estar em projetos envolvendo Amelie Lens, Joseph Capriati e The Martinez Brothers. Como DJ, apresentou-se no Warung, BPM Festival, ADE e Space Ibiza.

Acostumado a colocar originalidade em absolutamente tudo em que toca a mão, Fell desembarcou de volta no Brasil recente para mais uma de suas epopeias na vida noturna: a festa Second, que rolou em Joinville ao lado do DJ, produtor e empresário RA7A e trouxe, sob o tema “Segunda Dimensão”, uma proposta audiovisual plena, intimista e interconectada para o interior catarinense. A segunda edição já está marcada para o dia 18 de março.

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Qual a diferença, Fell, entre inspirar-se, basear-se e copiar?


Antes de mais nada, esclareço que todas as respostas são reflexões minhas, cabendo a cada um absorver e representar a arte da maneira que acredita. 

Inspirar-se é absorver ideias de algo que você gosta e aplicá-las à sua maneira e como você quiser. Basear-se em algo é pegar aquela receita do bolo e fazer em cima. Por exemplo, seguir um arranjo da música, pegar um template visual. E copiar é copiar. Você simplesmente segue aquela referência e a faz o mais parecido possível.

Quais seriam suas principais dicas para quem quer ser o mais original possível em seus projetos?


A primeira dica é bem contraditória, mas é a base pra tudo: se você está começando em algum ramo, seja qualquer ele que seja, copie tudo o que você gosta. Copie muito! Assim você vai saturar-se das cópias e começar a buscar o novo.

A segunda dica vem de experiência própria e foi algo que me ensinou muito: não publique as suas cópias, utilize-as como método de estudo. Na ciência quase tudo é desenvolvido por tecnologia reversa, olhamos o macro para entender o micro e por aí vai. Publicar o que já foi publicado não te levará muito longe e  por mais que dê certo naquele momento, como você irá surpreender depois?

Quando você dominar a técnica, arrisque no que você acredita. Converso com produtores de todo o mundo e entre os novos talentos sempre vem aquela frase. “Isso é o que vai bombar ou o que tá bombando esse ano.” Acreditar no que está bombando é levar a sua carreira à deriva. O que está bombando já foi escrito há dois ou três anos e a probabilidade das pessoas se cansarem disso é altíssima, pois você já está atrasado.


E creio que a terceira e mais importante dica é: tenha respeito pelos seus ídolos, mas nunca se achate por eles. Estou onde estou hoje porque sempre conversei de igual para igual, independente de quem seja a pessoa. Se você se subestimar, você sempre será o coitadinho da roda.

Você acha que estamos em um pico criativo no cenário brasileiro?


Bem, é uma pergunta complexa. Atualmente acho que estamos num momento oportuno para mudar a cena. Devido aos últimos dois anos, vivemos reprimidos e pensando e nos preparando para o futuro. Hoje vemos que as coisas estão abrindo, mas muitos projetos e artistas estão fracassando, pelo simples fato de tentarem copiar o passado.

Com a temporada de Ibiza começando, vamos ver uma avalanche de músicas novas, e sinceramente vai ser a maior da música eletrônica até hoje. O que tem de álbuns guardados a 7 chaves esperando essa reabertura é algo realmente inédito.

E é aí que mora o perigo. Infelizmente o mercado brasileiro espera ver o que está dando certo lá fora para replicar aqui. Mas agora é o momento de inverter essa realidade. Eu tenho absoluta certeza que tem muita música boa guardada aqui no brasil. Será que os produtores vão lançar com coragem o que acreditam quando virem que o mercado está remando para um outro lado?

Quais são os aspectos negativos mais comuns que você enxerga entre muitas ofertas de consumo de arte na cena dance atualmente?


Para mim, sem sombra de dúvidas, o monopólio de agências de bookings. É praticamente impossível comprar um artista de grande porte sem ter que contratar mais 3 ou 4 artistas no meio do pacote. Muitos desses artistas são os próprios agentes, os tour managers donos de clubs que trocam datas com a agência e por aí vai. Isso ocorre mundialmente e rebaixa o nível de originalidade artística.

Como foi o processo de criação e execução do conceito da Second, baseando-se em sua autenticidade? O que teve na Second que não costuma ter em outros rolês?


A ideia da second veio do RA7A, primeiramente. Ele queria trazer um som mais conceito para Joinville. Quando a gente começou a conversar, ficou nítida a necessidade de criar uma festa temática para poder inserir a música. Pois, convenhamos, é muito mais fácil fazer o povo se vestir de hippie xamânico se forem para Tulum, né? Então seguimos essa linha de raciocínio; você entrará em uma dimensão onde você possivelmente não conhece a nem o ambiente. 

O segredo de todos esses grandes picos de música eletrônica está na vulnerabilidade do público. Em Ibiza 60% do público não conhece os artistas que vão tocar, eles querem ver o que acontece. Por isso há adesão em massa de novos estilos. Testamos na Second e foi um sucesso. Com um público limitado, contagiamos os que não conheciam e agradamos os que esperavam por essa proposta.

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Quais são as maneiras mais interessantes de unir vídeo e áudio, do ponto de vista da originalidade?


Eu esperava por esse momento há muitos anos. Meu sonho sempre foi conseguir trabalhar com audiovisual de uma maneira mais prática. Antes era muito caro proporcionar uma experiência audiovisual. A parte de vídeo ainda não está tão acessível quanto a parte de produção de áudio, mas acredito que será questão de um ano ou dois para tudo estar bem equilibrado. 


Para mim o grande lance está na arte generativa. Com apenas algum conhecimento de código você consegue fazer a sua música gerar arte e vice e versa. é algo único, se você fez o código e você fez a música é claro que o que resulta daquela equação será algo original. Esse será um dos grandes pontos de virada dessa década.

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