Produtor espanhol AFFKT fala sobre seu mais novo álbum, “The Big Picture”

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Por em 6 de agosto, 2021 - 06/08/2021

Em conversa focada no novo trabalho, batemos um papo com ele sobre arte, cinema, estilo de vida e culinária

O DJ e produtor espanhol Marc Martinez Nadal tem uma longa trajetória na música, e é desde 2008 conhecido como AFFKT, um projeto que consegue trafegar com maestria por uma música eletrônica que, além de beber de inúmeras fontes (afinal, estamos falando do “filho de mil sons”), é feita para ser contemplativa, reflexiva e emocionante, ao mesmo tempo em que não abandona seu compromisso com as pistas de dança.

Isso vale, sobretudo, para seus álbuns, que são os pontos mais complexos, delicados e essenciais de sua discografia, na qual AFFKT exercita converter em som tudo o que viveu e sentiu num longo período de anos, homenagear pessoas importantes e, sobretudo, contar histórias.

Seu terceiro álbum, “The Big Picture”, que sucede o aclamado e premiado “Son of a Thousand Sounds“, de 2016, chegou no último dia 30, pela alemã Mobilee Records, carregado em ecleticismo, otimismo, verdade e a clareza de quem atingiu uma maturidade importante. O próximo dia 13 será o dia do release no formato de vinil colorido 12 polegadas.

Em uma conversa focada no novo trabalho, encontramos espaço para falarmos com ele sobre arte, cinema, estilo de vida e culinária. Dê o play abaixo e faça boa leitura!

Marc, no release de “The Big Picture” você afirma que o álbum reflete muitos momentos que você viveu nos últimos quatro anos, e simboliza a transformação que você teve no período. Fale mais sobre isso, por favor.

Sim, você está certo, as músicas no novo álbum escondem momentos inesquecíveis da minha vida, condensados em cápsulas sonoras; são muitas sensações e memórias. Falando de uma maneira temporal, ele é inspirado pelas minhas experiências durante o tempo que passou desde o álbum anterior e sobre o presente, é claro, mas não só. Há muitos acenos para a minha vida de modo geral.

Há alguma história em particular desse período que vale a pena você compartilhar conosco?

Um exemplo é o da minha avó, que faleceu há um ano, então eu dediquei a ela “Ueli”, a música mais otimista do álbum. Eu e Piek [produtor que colaborou na última faixa] também dedicamos a última música ao grande José Padilla [falecido em outubro], cujo legado é, sem dúvida, uma grande referência para mim — e é por isso que eu peguei emprestado o nome de um dos seus melhores trabalhos para encerrar o meu álbum: “Adiós Ayer”.

Você também declarou: “Sinto-me em um momento em que estou muito bem olhando para o passado, mas também imaginando como será o futuro”. O que isso quer dizer, exatamente?

Quer dizer que eu cheguei a uma idade na qual eu estou muito seguro do que eu quero; tenho com muita clareza o que é importante e o que não é. Como artista, acho que é essencial assimilar o seu passado para escrever o seu futuro. Eu me encontro com uma perspectiva que me permite encarar o processo criativo a partir de um ponto de vista muito mais maduro do que antes — pelo menos, é o que eu sinto.

E por que você fala em ser uma pílula otimista? Onde está o otimismo na sua vida, e como ele aparece no álbum?

Tenho certeza que se você escutá-lo, será fácil perceber que ele é bastante otimista do início ao fim. Normalmente, eu abordo os álbuns nos momentos em que estou me sentindo mais triste e introspectivo, e de alguma forma, projeto como eu gostaria de me sentir. Acho que é por isso que eu soo tão otimista. A natureza ao nosso redor, o relacionamento com as pessoas que estão à minha volta, fazer música e enfrentar continuamente novos desafios são coisas que me enchem de otimismo.

É interessante uma obra com viés otimista saindo justamente num momento em que o mundo está cheio de esperanças em enfim vencer a pandemia que tanto nos afetou no último um ano e meio — embora aqui no Brasil, a situação ainda seja bastante delicada. Como você tem enxergado e lidado particularmente com esse “novo mundo” que vivemos desde a chegada do novo coronavírus?

O otimismo está por toda parte; você só precisa ser capaz de vê-lo, mesmo nos piores momentos. Eu imagino que, como todo mundo, às vezes lido com medo e insegurança, mas é importante seguir em frente. Eu gosto de ser forte perante a adversidade, e é isso que eu tenho tentado fazer. Aprendi a estar mais ciente do aqui e agora.

É verdade que você adotou uma rotina bastante saudável para produzir o novo disco? 

Não necessariamente para produzi-lo. Em geral, eu venho mudando minha rotina há muitos anos para poder estar bem e focado — com tantos projetos profissionais que exigem tanto de mim, isso é absolutamente necessário. Mas ainda há muito a ser feito na busca pela perfeição; eu ainda sou um amante da cerveja, haha!

Claro que a prática de yoga e meditação me ajudaram bastante, como para qualquer outra pessoa que os pratica. Não sei se elas são necessárias, mas para mim, são essenciais. Elas me ajudam a aproveitar meu tempo no estúdio com mais perspectiva e vitalidade.

Ter uma rotina de vida saudável é compatível com a profissão de produtor e DJ/live performer?

Com certeza é mais difícil, mas como falei, é absolutamente necessário. Exige bastante esforço da sua parte, mas cuidar de si mesmo é essencial. Certamente, sentir-se melhor consigo mesmo faz tudo ficar melhor, e faz com que você se curta mais.

O release de “The Big Picture” também fala sobre ser o seu trabalho mais eclético. O que você escutou nesse período que influenciou essa maior abertura sonora?

Na verdade, o AFFKT é eclético por natureza, desde sempre. Produzir para além de estilos e rótulos sempre foi uma premissa. No meu álbum anterior, eu senti a necessidade de explicar o colorido do meu background musical, e é por isso que ele se chama “Son of a Thousand Sounds” [filho de mil sons, em tradução livre]. 

Este novo trabalho parte daí para culminar em uma obra que seja coerente, especial e divertida, ao mesmo tempo que eclética e, às vezes, inesperada. Por outro lado, sempre escuto diversos tipos de música. Não tenho nenhum preconceito em relação a estilos; se tocar a minha alma, é bom o suficiente para mim.

Sabemos que você faz um álbum no sentido clássico — o de contar uma história. Nesse sentido, imagino que o cinema também te inspire bastante. Quem são seus diretores e filmes favoritos? E há mais algum outro tipo de arte que te influencie muito?

Sim, “The Big Picture” é muito cinematográfico e visual do início ao fim. Cinema e trilhas sonoras sempre foram uma grande inspiração. Meu projeto final na faculdade foi uma trilha alternativa para o filme surrealista “Um Cão Andaluz”, de Salvador Dali e Luis Buñuel. 

A verdade é que quando eu trabalho em álbuns, eu posso desenvolver com maior amplitude e detalhe do que quando faço EPs ou singles, e é algo que eu realmente curto, embora demande bastante energia.

Tenho muitos filmes e diretores favoritos, mas vou citar Robert Zemeckis, Christopher Nolan e Quentin Tarantino. Em relação à trilha sonora, amo Gustavo Santaolalla e Cliff Martinez, apenas para citar alguns.

Além da música, sou inspirado por muitas coisas, e claro que qualquer outro tipo de arte me influencia muito, mas não apenas isso, porque a arte está onde quer que você queira vê-la: em um bom prato, um bom vinho, na natureza, etc.

A maioria dos DJs normalmente produz músicas com foco em funcionalidade nas pistas. E embora você também faça isso, com seus LPs, este não parece ser o foco. “The Big Picture” é baseado em suas vivências e sentimentos, conta histórias e, apesar de ter diversos momentos dançantes, vejo-os mais como consequência do que causa. Como é a dicotomia entre produzir o que você produz e discotecar?

Talvez alguns DJs/produtores façam música apenas para ser apreciada nas pistas de dança, mas eu gosto de enxergar além. Claro que gosto de produzir para as pessoas dançarem, ainda mais quando eu, como DJ, sou aquele que as toca. Na maior parte do que faço, procuro encontrar essa dualidade: que possa ser curtida no club, mas também fora dele.

De qualquer forma, não é algo premeditado; o essencial foi criar algo uma obra interessante para além de certos estilos ou padrões. Nós somos todos, inevitavelmente, consequência das nossas experiências, e sem dúvida nenhuma, esse álbum também o é; é algo que vem da parte mais profunda do meu ser, e eu espero que alcance a sua parte mais profunda.

“Son of a Thousand Sounds” lhe rendeu os prêmios de álbum do ano e produtor do ano no Vicious Music Awards de 2016 — o que obviamente é excelente. Mas quando isso acontece, você sente uma pressão, uma responsabilidade de ao menos igualar as conquistas em um novo trabalho?

A pressão estava lá, mas uma vez que estou no estúdio, eu esqueço e desvio de tudo — especialmente com esse álbum, que serviu de terapia para mim em muitos momentos. Estava claro para mim que ele precisava ser ainda mais maduro que o anterior, e no fim das contas, é a perspectiva do tempo que marca o caminho.

Você, como muitos DJs que vemos e entrevistamos por aí, ama cozinhar. Também tem essa percepção de que as duas atividades estão bastante interconectadas?

Com certezas, ambas estão completamente conectadas. Como na música, há receitas para todos os gostos, haha! Não, estou brincando! As duas disciplinas tratam de criar algo do nada, usando sons na música e ingredientes na culinária. Quanto melhores os ingredientes, melhor o seu prato.

Algumas pessoas vão cultivar e selecionar seus ingredientes do zero, enquanto outras vão utilizar ingredientes congelados. Eu gosto de cultivar bem todos os meus ingredientes/sons, e geralmente busco por um bom equilíbrio de sabores.

Se você fosse preparar um jantar especial, repleto de amigos, familiares e colegas da indústria, para celebrar a chegada de “The Big Picture”, como ele seria? Onde você o faria, como seria a ambientação, quais seriam os pratos e a trilha sonora?

É muito claro para mim: seria uma paella bem grande, para que todos pudessem comer, e não seria a paella típica, teria com certeza algum ingrediente inesperado. A trilha sonora, obviamente, seria “The Big Picture”, e o melhor lugar que consigo pensar seria tão brilhante quanto a minha terra natal, Valência. 

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