Diggin’ with: Traffic Jam | Vinyl Only: artigo de luxo ou sonho acessível?

Por em 29 de junho, 2021 - 29/06/2021

Artista curitibano entra para o time da GRVE e a partir de hoje tem sua coluna mensal sobre discotecagem por aqui

Somando experiência e talento com compartilhamento de conteúdos inéditos, instigantes e pertinentes ao dia a dia dos artistas, a GRVE apresenta uma nova parceria que promete dar o que falar nos próximos meses. Convidamos para compor nosso time de colunistas Joao Pedro aka Traffic Jam, figura conhecida no cenário do House nacional, especialmente das noites curitibanas, graças a sua presença constante nas festas da Radiola, Club Vibe, Inbox e, claro, fora do estado também, já tendo marcado presença até mesmo no Warung Beach Club

Agora o artista curitibano vai se tornar uma figura ainda mais ativa por aqui, já que trará mensalmente diversos conteúdos, curiosidades, reflexões e temáticas acerca do universo da discotecagem. Apaixonado por House e por toda diversidade que a vertente pode oferecer, Traffic Jam ostenta sets fluidos que amarram uma bagagem refinada e seletiva de faixas que fazem parte de seus mais de dez anos de coleção — muitas delas em vinil, servindo de pauta para nosso primeiro tema

Para dar o start na coluna, Traffic Jam resolveu trazer à tona um assunto que muitos DJs já podem ter se perguntado: tocar com vinil é um artigo de luxo ou sonho acessível?

Traffic Jam:

Pergunta com mais de uma resposta. Pode ser um artigo de luxo, mas pode ser uma ferramenta a mais de trabalho. De fato é caro e muitas vezes de difícil acesso, tendo que importar os discos, pagar altas taxas tributárias e aguardar semanas para chegar.

Mas vamos lá. O que seria acessível? Infelizmente o mundo da música eletrônica não é dos mais democráticos. Existe uma grande barreira de entrada pelo custo, seja ele no digital ou vinil. Os equipamentos são caros e o aprendizado pode ser também.

Nos últimos anos tornou-se um pouco mais acessível com a introdução das controladoras que, em um equipamento só, já vem com mixer, jogs… um set up completo, precisando muitas vezes apenas do seu pen drive, notebook e sound system. A partir daí, o vinil torna-se algo muito caro se comparado a um toca-discos Technics 1200, o padrão no mercado há 30 anos. Com o padrão de CDJs Pioneer 2000 e mixer, os valores do primeiro não se tornam tão absurdos, então é muito uma questão de perspectiva.

Apesar de eu ser um forte entusiasta da cultura do vinil, por achar mais divertido de tocar e pelo peso cultural e histórico na música eletrônica, acredito que o vinil não pode ser glamourizado, ninguém é melhor que o outro por causa da mídia que escolhe para tocar. São escolhas pessoais. Dito isto, vou abordar o porque eu gosto tanto. Os pontos positivos e negativos de tocar com vinil, da minha perspectiva.

Eu gosto muito do contexto histórico, saber como viemos parar aqui. Nisso o toca-discos é o que tornou um DJ não apenas um seletor de faixas, mas sim em uma performance, conseguindo mixar de forma harmônica e suave duas faixas. Além de uma transição podendo ser excelente, existe aquele momento mágico quando duas faixas estão tocando juntas, que é basicamente uma música nova. 

Isso só foi possível com o surgimento da Technics 1200 MK2 em 1979, o segundo modelo lançado. Porque ele fez toda a diferença? Pois tinha o Pitch, o controle da velocidade da faixa, isso foi um boom gigantesco nas possibilidades para o Disc Jockey. Todos os pitchs que vemos hoje em CDJs e controladoras, é baseado no toca-discos. Então ele basicamente formou uma das bases da discotecagem.

Outro ponto é a sua sensibilidade auditiva, pois como não há gráficos e nem BPMs, é simplesmente seu ouvido e sua coordenação motora para manter tudo em sintonia, isso desenvolve uma sensibilidade que é muito aplicada e válida para o DJ, podendo ser transferida para o mundo digital  — enquanto o inverso não é possível. Seguindo na parte da audição, você se torna mais seletivo e também conhece melhor as faixas, pois quando vai tocar, por limitação física, você vai levar 2x ou 3x a quantidade de discos, parece bastante vendo de fora, mas quem toca sabe que a quantidade poderia ser MUITO maior, logo você tem que ter mais calma e cuidado nessa seleção.

Comprometimento é algo obrigatório também. Se eu sei que alguém está tocando bem no vinil, eu sei que esta pessoa passou horas e horas para conseguir fazer aquilo e isso me passa um senso de apreço. Claro, isso é totalmente subjetivo, apenas minha visão. 

Tornar o intangível, tangível. Pois música só existe quando está sendo tocada, se pensarmos no sentido literal, de outra maneira ela está pausada, guardada. Tela fisicamente, em um disco e talvez com uma capa legal, traz um senso de valorização a arte.

Mas nem tudo são rosas. Os discos em si são muito caros no Brasil. Por volta de 10 euros cada, contando frete mais imposto, o valor em reais gira em torno de 150,00. Nesse ponto, torna-se comum classificar como um artigo de luxo, já que poderíamos ter a mesma música por uma fração do valor (ou mesmo de graça), e faria as pessoas dançarem do mesmo jeito. 

Aí entra a parte da realidade do nosso país, câmbio, distância (maioria das lojas na europa)… aos poucos esse cenário está mudando, principalmente pela iniciativa de um grupo chamado Harmonica Wax, que será uma loja brasileira de venda de discos de música eletrônica com contatos direto com os distribuidores e gravadoras, sendo assim, os discos já estarão no país, chegarão mais rápido e por um preço bem mais em conta do que importar.

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Uma publicação compartilhada por Harmoníca:Wax (@harmonica.wax)

Outro ponto é que pouquíssimos clubs estão preparados para o vinil hoje em dia e não é surpresa e nem problema, pois é uma parcela pequena que usa e muitas vezes não justifica o investimento. Necessita-se de uma mesa sólida, esqueça palcos (se não forem pensados para isso antes). O próprio toca-disco que estará disponível… você provavelmente não saberá como vai estar o estado dele e apesar dele ser um tanque no sentido de resistência, tem partes mais sensíveis e fáceis de estarem desajustadas, o que o torna quase inutilizável, independente da habilidade do DJ.

Requer também que você faça um soundcheck antes da gig, ir ao clube/local do evento, horas antes da festa para testar tudo, o que muitas vezes não é possível. Pode ser também que tudo esteja certo no meio do set e aconteça um problema, nesses casos, você precisa ter um conhecimento técnico bom e rápido de resolução… são muitas variáveis para dar errado.

Mas, voltando, com a cultura do vinil está crescendo novamente, cada vez mais clubs ou festas/núcleos já pensam nisso desde a sua criação e dão a devida atenção nesse aspecto. 

A questão a ser levantada é se você estará fazendo o uso como hobby ou como profissional. O primeiro mais passional e o segundo racional. Porque não os dois juntos? O ideal é achar a sua harmonia dentre todas essas questões, mas sem glamourização, valorização excessiva, apenas escolha pessoal. Não há certo e errado, siga o que lhe está ao alcance e, se possível, próximo ao que está no coração.